sexta-feira, 31 de janeiro de 2014
Para Nikolaj
Meu caro Nikolaj,
Aposto que estás na terceira dose de uísque e o charuto aceso, buscando paciência para ler este teu velho e enfadonho amigo. Abriste o envelope? Pois saiba que desta vez o tema é aprazível. Para ti, que continuas o tarado de sempre, embora em vias de voltar a usar fraldas.
Faz quanto tempo, Nikolaj, que a pequena Azul-Monet me entortou as ideias e quase morri? Dela tu te lembras, bêbado traidor, pois também foste seduzido, embora nunca tanto quanto me deixei. Ela adorava Monet, falava dos seus azuis movendo as mãos tão delicadamente, tão perigosamente. Diáfana, aquela criatura. Linda! Me enlouqueceu de modo que até hoje me custa pronunciar o seu legítimo nome. Azul-Monet, e basta.
A novidade é que me apaixonei novamente. A bebida te engasga, por certo, e ris deste farrapo amigo. Cretino!
Fui arrogante me julgando imune. Seres como nós, no amor, já vivemos todos os papéis. O que poderia me surpreender, não é mesmo? Ou quem? Mia Lil, o nome da bandida. Um par de pequenos seios somados a uma bunda mais sublime que a de Benvinda, acredite. Não te direi do sexo mais que é a perfeição em carne. E que acolhimento! Que perfume! Não vá ter outro ataque do coração adivinhando minha intimidade, seu porco babão.
Mia parecia me amar. Até que eu perdesse as forças e todas as resistências. Então se encantou por outro poeta. Agora eu, além de fracassado maldito, estou escravizado e doente, Nikolaj. Necessitado de uns tapas nas costas e duradoura embriaguez. Pensei em ficarmos um tempo na montanha. Por esses dias, antes que a lua cheia venha acentuar a tormenta. A perversa tem qualquer coisa com a lua, sabes? Feitiço, deve ser. E também é azul. Não o azul de Monet, pois menos sutil que a outra. Um azul óbvio, escancarado e insuportável. A propósito, faça-me a gentileza de esquecer em casa o seu gasto e embolorado pulôver azul. E também o disco do seu adorado Antônio Carlos não sei de quê, pois se ele vier com aqueles versos sobre morar no azul não sei de quem, tomarei todos os comprimidos que carregas contigo, com uma dose assassina do escocês que tu também levarás, eu conto. E não escapo.
Ah, Nikolaj, como dói ver a amada enredada em trama de onde fui descartado, banido mesmo. É cruel. Eu não sentia mais nem fisgada nas cicatrizes, tão protegido em meu sarcasmo, quando Mia Lil... Desgraçada!
Todas deviam ser como Úrsula, te lembras? Aquela selvagem adorável que desenha e escreve poemas em cemitérios, nos fins de tarde? Inesquecível Úrsula, que não me importei de perder. Como pude, se tão linda e livre Úrsula?
Trata-se agora de Mia Lil. Fuja se ouvir este nome, amigo. É tão viciante que nem tu darias conta do abismo que se faz quando ela parte. Porque ela parte. Depois, é minha. Amigos, amigos...
Aguardo tua resposta com a maleta pronta.
Um abraço forte deste dinossauro esquecido de desaparecer.
Frederick.
(Por Ceronha Pontes)
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