domingo, 2 de fevereiro de 2014
Resposta a Nikolaj
Meu amigo Nikolaj,
Me preocupo mais contigo neste momento. Então não podes vir comigo? Do que é que tu padeces e que te deixaria apoplético em me encontrar? Duvido muito seja algo da ordem do que me fustiga. Antes fosse. Saber-te emocionado seria motivo de bebedeira e cantoria nossa, subindo e descendo a serra, cidadezinha em cidadezinha, em busca de boteco merecedor de nossas ilustres e devastadas presenças.
Vejo que agonizar de paixão é doce sofrimento diante de tua recusa, motivada por algo terrível e que não me deixas tratar. Sou o teu amigo, Nikolaj. Desde que nos conhecemos, cada vida que me coisa, você, comigo, me aguçando, adoçando, ou mesmo azedando o olhar. Permita-me.
Crês que eu nunca tenha me apaixonado por pequena alguma, e que tudo não passa de perversão? Talvez tenhas razão, mas, enquanto dói, sou capaz de jurar que não suportarei a ausência de Mia Lil. E prefiro alongar infinitamente esta dor, porque me apavora, sobretudo, a possibilidade de Mia Lil figurar, no futuro, ao lado de Azul-Monet. Mais triste que ser desprezado pela amada, é que ela se torne tão feia aos nossos olhos. Azul-Monet era de uma fraqueza tão perigosa! Capaz de atirar nas costas de quem fosse as suas culpas, condenando a outros pelos torpes atos seus. Tu não te importarias em parar na cadeia ou noticiários sensacionalistas por causa dela. Eu acabei em lugar muito pior. Aquele azul me amarga.
Mia Lil tem suas zonas obscuras e ardil próprio das pequenas. Um jogo de boca com o olhar que me deixa completamente vulnerável. Vejo todos os seus movimentos, o armamento que dispõe para a sedução de pobres diabos como eu, mas não resisti todo o tempo. É tinhosa, a bandidinha, não sossega enquanto não nos põe os arreios. Depois faz troça. Crês que ela agora diz que se afasta para me fortalecer? Oh, que alma piedosa! Se afasta porque cumpriu seu intento, venceu-me as resistências e cansou do brinquedo. Foi atrás de outro e promissor poeta. Meu ciúme quer mais é que ele despenque da sua condição de ser amado, e conheça a sarjeta onde ela é capaz de nos atirar. Ele pensa que está por cima, recusando os encantos de Mia. Não sabe ainda do que ela é capaz. Pobre homem. Pobres todos os homens!
Não, Mia Lil talvez seja mesmo só uma menina voluntariosa e cheia de caprichos. Não lhe pertencem a vileza e a canalhice de Azul-Monet. Falta-lhe talento para tanto. Assim é melhor pensar e então apreciar sua figurinha por toda vida. Quanta vontade de tê-la em meus braços, toda minha! Regozijar-me com o poder de fazê-la gozar como uma cadelinha indefesa e viciada. Indefeso estou eu, meu caro. E esta abstinência é torturante.
"Cíúme, bicho maroto do olho verde que inventaram pros velhos bilés ficarem assuntando barulhos nos telhados". Tens cada uma, meu amigo! Sempre tão razoável em seu deboche.
Veja só no que nos transformamos. Você recluso, abatido, incapaz. Eu, um bode velho exposto à zombaria das cabritas. E justo nós, "nós que estávamos lá, no descobrimento da foda!" (tu escreves, eu choro).
Chega de me maltratar com sua ausência, Nikolaj. Me preocupo por demais.
Aguardo ansioso o momento em que viajaremos juntos para nos inspirarmos mutuamente por mais uns quinhentos anos. Creio quando dizes que seremos nós, ao final. Mas até lá nos embriaguemos algumas vezes, amigo. Meu amigo. O único.
Um abraço deste "velho bruxo corrompido", conforme tuas próprias e sempre bem-vindas palavras,
Frederick.
P.S.: Manda me dizer a marca do teu fraldão. O meu acaba de vazar.
(Por Ceronha Pontes)
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário