quarta-feira, 18 de junho de 2014
Intervalo I
"Caracol é uma solidão que anda na parede".
(Manoel de Barros)
A próxima receita está a caminho. Vem das Arábias se misturar com nosso Nordeste. Enquanto isso recebemos visita para o café da manhã.
Há poetas noturnos, cujos versos impedem ou atormentam o sono. E isso, embora pareça, nem sempre tem más consequências. Podendo ser boas, até. Ou não.
Mas há os poetas próprios para as manhãs, mesmo que falem de coisas irremediavelmente anoitecidas. E um deles sentou-se à mesa do café conosco. Penso que gostou da tapioca com queijo coalho bem assado. E nos serviu estes versos. Eles nos emocionam. Nos faz sentir menos sós saber de solidões como a nossa por aí. Por aqui, aliviando as pelejas com boa comida e boa música. Ambas feitas em casa. Mas o mundo vai além da casa. Às vezes penso que a casa nem está no mundo. A casa está por fora. Nós estamos por fora.
Diz aí, Manoel, enquanto vou coar outro café, fazer um bolo de fufá...
ELEGIA DE SEO ANTÔNIO NINGUÉM
Sou um sujeito desacontecido
rolando borra abaixo como bosta de cobra.
Fui relatado no capítulo da borra.
Em aba de chapéu velho só nasce flor taciturna.
Tudo é noite no meu canto.
(Tinha a voz encostada no escuro. Falava putamente.)
Estou sem eternidades.
Não tenho mais cupidez.
Ando cheio de noites pelas juntas como os velhos navios naufragados.
Não sirvo mais pra pessoa.
Sou uma ruína concupiscente.
Crescem ortigas sobre meus ombros.
Nascem goteiras em todo canto.
Entram morcegos aranhas gafanhotos na minha alma.
Nos lepramentos dos rebocos dormem baratas torvas.
Falo sem alamares.
Meu olhar tem odor de extinção.
Tenho abandonos por dentro e por fora.
Meu desnome é Antônio Ninguém.
Eu pareço com nada parecido.
(Manoel de Barros)
Pois o Renato Teixeira sentiu o cheiro do bolo assando e se juntou a nós. Capaz desse negócio, de triste, ficar feliz. É pra o que devia servir cozinhar, cantar, viver.
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