quarta-feira, 4 de junho de 2014

A visita


"Certos ácidos adoçam
a boca murcha dos velhos."
(Carlos Drummond de Andrade)

Eu estava com catorze ou quinze anos, já tinha saído de casa para estudar em outra cidade, e a falta que me fazia conversar mais amiúde com meu Pai foi um pouco atenuada pela descoberta de um poeta mineiro que se tornaria meu melhor amigo na adolescência. Um companheiro fundamental naqueles anos em que precisei ser muito forte para não me desviar de meu propósito e me render à saudade. Drummond se destaca entre os que me encorajavam.
Tem sido quase sempre assim, quase sempre longe de mim os que me protegem e movem. Algumas pessoas talvez eu nunca veja ou reveja, mas sinto um prazer imensurável se lhes alcanço rastros, vestígios.
Falo disso porque o Carlos veio fazer visita noturna. E quando recebo visitas assim, acordo velha. Mas velha de velhice muito velha, coisa antiga mesmo e muito bem vivida. Sendo o caso de, com alguma vaidade, eu não lhes negaria, enxergar já naquela mocinha dos catorze ou quinze as marcas de tempos longos. E eu fico me achando, sabe? Digna de me sentar agorinha com Hilda e Lygia para falar da vida. Ou calar. Que silêncio tão denso e caro seria!
Agora chega. Faz-se necessário pôr a máscara de viver e caçar tarefas que me valham algum respeito. Deixo-lhes com a Drica Moraes recitando versos de minha sábia e Andrade visita.

Ceronha Pontes



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