sexta-feira, 13 de junho de 2014

Como Água para Chocolate - receitas em verso e prosa


CAPÍTULO I

Arroz Chaufa Vegano da Ceronha


Na cidade de Cusco (que linda Cusco!), no Peru, nem o pouco oxigênio foi um inimigo nosso. Ofegar subindo e descendo suas ruas era até divertido.
Atraída por ladeiras e explico. As cidades históricas de Minas Gerais fazem festa no meu imaginário desde quando eu era criança. Influência da minha Mãe, que mesmo não conhecendo Minas naquela época, falava daqueles lugares com a intimidade de adoradora do Aleijadinho, grande referência para a sua arte. Depois o Ganymédes José apresentou à minha meninice A Ladeira da Saudade, o que imediatamente me despertaria a paixão por Marília de Dirceu, do Tomás Antônio Gonzaga. Quando tive a oportunidade de ver tudo isso de perto, me senti a própria Maria Dorotéia, musa do referido poeta.
Dito isto, creia: ladeira, e de paralelepípedo, irresistível convite. Lá no alto estão grandes amores dos tempos mais remotos querendo ser inspiração. Duvida?
Cusco. Se precisa de um incentivo, beba um té de hoja de coca e suba, suba, suba, suba, por esta calle angosta y empinada que nos leva a San Blaz. Existe arriba um restaurante cuja comida é a más rica que experimentei até qui, com proposta vegetariana. Destaque para as samosas veganas e o arroz chaufa. Este último uma comida tipicamente peruana, mas que foi desenvolvida por imigrantes chineses em Lima. Quem nos servia? Uma espanhola de Andaluzia. Nos quedamos, Eros y yo, igualmente encantados com a beleza da chica. Até o legítimo indiano instalado nas proximidades da Plaza de Armas, nos perderia para sempre desde aquela visão increíble. Todos os dias subir a ladeira, admirar a espanhola e saciar os desejos com sabores capazes de fazer a alegria da mais infeliz entre as infelizes criaturas.
Aí eu perguntava ao digníssimo outro dia o que ele desejava almoçar. Me responderia entre suspiros que arroz chaufa. Imediatamente a lembrança da espanhola, com aqueles olhos expressivos, aquela flor de boca, a tez branquinha contrastando com a farta cabeleira negra, me fez aceitar de pronto a doce provocação. Ok, arroz chaufa! Óbvio que eu já tinha pesquisado sobre a iguaria, mas estava disposta a deixar a minha marca no prato, sem descaracterizá-lo. O que eu chamo de minha marca entenda-se por retirar o alho (Eros não gosta muito de) e acrescentar pimenta de cheiro + açafrão + alcaparras + quiabo e também o modo de preparar a soja. Sim, lá no restaurante de San Blaz eles substituem a carne por soja e ainda acrescentam a cenoura. O post anterior deixou claro que nossa casa é vegetariana, sim? Sigamos.
Meça uma xícara de chá cheia de proteína de soja escura e graúda. Coloque numa tigela e cubra com água fervente. Ela deve ficar imersa por dez minutos. Escorra em uma peneira, jogue água fria e esprema o excesso de água com delicadeza. Corte um a um os pedaços hidratados e macios em pedaços um pouco menores, para que tomem mais gosto e enfeitem melhor o prato. Numa frigideira aqueça uma colher de sopa de manteiga clarificada, o famoso ghee. Retire do fogo e desmanche aí um tablete de caldo de legumes. Acrescente ervas finas a gosto e 1/3 de copo americano de vinagre balsâmico. Volte ao fogo, coloque a soja e vá mexendo para que esta seja totalmente envolvida pelo tempero. Ponha num refratário e siga com a mistura para o forno médio até que fique bem assadinha. Assim a soja ganha um pouco de firmeza e acento no sabor. Reserve.
Em uma panela aqueça uma colher de sopa de azeite de oliva (extra-virgem, por favor), adicione uma pimenta de cheiro picadinha e oito quiabos cortados em cubos. Refoque bem. Este procedimento vai eliminar a baba do quiabo. Acrescente 3/4 de xícara de chá de arroz integral e refoque-o. Cubra com a água fervente, sal a gosto e deixe cozinhar. Enquanto isso corte em cubos grandes uma cebola média e um pimentão médio (da cor de sua preferência, podendo misturar). Corte em cubos menores um tomate bem vermelho. Cheiro verde a gosto. Um pedaço razoável (o razoável fica a seu critério) de gengibre beeeemmm picadinho. Um pouco de alcaparras e uma cenoura média cortada na diagonal em fatias finas e cozidas al dente. Tudo pronto? Vamos mezclar.
Numa panela grande (estas nos dão liberdade para mexer e mexer) aqueça quatro colheres de sopa do virgem azeite. Refogue um pouco a cebola antes de adicionar o pimentão. Junte o gengibre. Refogue bem. Depois a cenoura e as alcaparras. Acrescente ao refogado uma colher de chá de açafrão e meio copo americano de shoyo. Por último o tomate, que é para ele não amolecer. Acrescente imediatamente a soja e o arroz. Misture bem. Sirva quente com cheiro verde por cima. Fica mais bonito e saboroso. Eu falo de coentro e cebolinha, mas, os que preferirem salsinha fiquem à vontade.
Nas fotos aparece uma taça grande toda trabalhada no suco concentrado de uva, fazendo as vezes de vinho tinto, já que o degustador oficial da série não ingere bebida alcoólica. Do outro lado da mesa eu desfrutava do MEU Chaufa com uma cerveja negra. Super combinação. Não era a famosa e deliciosa cerveja Cusqueña, mas estava bem boa.
Éramos dois, embora a receita sirva três comilões. É que a espanhola não veio. Nem virá assim direta e perturbadora da ordem. A espanhola está. Linda. Nos dá alegria. Nos dá fome. Ela inspira e convida à alquimia. Por causa dela subimos ladeiras apostando no amor e, vejam vocês, saímos de Tamboril, estivemos em Andaluzia, passamos pelas Minas Gerais dos Inconfidentes, fomos a uma Cusco enamorada da China e terminamos assim: eu no Recife, vocês aí, espalhados sabe Deus por onde, e bem-vindos toda vida.
Buen provecho!!!!

Ceronha Pontes

Mais de perto.

P.S.: No próximo episódio, Sagrado Coração da Terra.

2 comentários:

  1. Ai... água na boca! Maravilhosa receita e com a sua proza, fica melhor ainda!

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  2. Ninini mais linda de todas, terei enorme prazer em convidá-la para degustar. Quem sabe na inauguração da casa nova? Se não demorar, né?
    Super beijo, querida.

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