CAPÍTULO IV
Arabaião
(Com purê misto ao curry)
Deixar o Ceará, e sem esperança de retorno, putz, que difícil! E apesar, trago também boas recordações do meu primeiro destino longe de lá: Foz do Iguaçu, no Paraná. Eu poderia, por exemplo, lhes contar sobre o maior espetáculo que já vi, onde a protagonista, a Lua Cheia, ameaçava se atirar na Garganta do Diabo¹. Porém, ando sensível além da conta e só de pensar na moedinha que eu, confesso, atirei sim naquelas águas noturnas revoltas, depois de fazer um pedido beeeem difícil, me arrisco a chorar aqui o suficiente para encher as Cataratas.
Vamos direto pra Arábia? O salto exigirá menos das pernas do que a geografia sugere. Simples: Foz reúne grande número de imigrantes árabes e não fiz qualquer resistência à sua culinária, muito pelo contrário, adotei alguns pratos. Sempre com aquele toque pessoal, por algumas razões. A casa é vegetariana, eu já disse trocentas vezes. E melhor seria dizer ovo-lacto vegetariana uma vez que, indiferente aos protestos do digníssimo, continuo a inserir ovos, leite e derivados no cardápio. Segundo, é que gosto mesmo de fazer interferências que não descaracterizem o prato, e pelo terceiro motivo, que é a minha pouca fé em conseguir alcançar as legítimas características de algo que não me pertence. Sendo assim, ADAPTAR, é o nome da brincadeira.
Sem dúvida uma feliz descoberta a daquele arroz com lentilha batizado de Mjadra. Baião de Dois, só que árabe. A receita é simples e de dar raiva, uma vez que NUNCA, como disse há pouco, consegui alcançar o sabor original que tantas vezes desfrutei nos restaurantes que frequentávamos. Nem aquela cebola frita sem-vergonha que finaliza o prato eu consigo realizar bem. Então decidi dar um carinho cearense à mistura árabe, apelando para a pimenta de cheiro e o coentro, por exemplo. Ah, porque é preciso esclarecer aos de "outro mundo" que Baião nunca é de Dois, exatamente. Além do bom e velho arroz com feijão (feijão verde, peloamorde!) o meu, eu tempero pra valer, abdicando, no Arabaião, da nata ou do queijo coalho derretido, que é para não me distanciar tanto assim da Mjadra. E também opto por cozinhá-lo em caldo natural de legumes. O caldo artificial em tablete que usei na receita inaugural foi uma concessão.
Vamos começar?
Use a mesma medida para a lentilha e o arroz (integral). Aqui a receita é para dois, então usemos meia xícara de cada. Deixe-os de molho juntos por uma hora mais ou menos. Enquanto isso preparemos o caldo com pedaços grandes de cenoura, abóbora, inhame e chuchu, temperados com cebola, pimentão, tomate, coentro e cebolinha. Dá para entender as quantidades vendo a foto, eu espero, pois já estamos na quarta receita e é chegado o momento de revelar que cozinha não é uma coisa assim, tãããão exata. Exige olho, sensibilidade. Exercite.
Panela no fogo, derreta uma colher de sopa rasa de ghee, então refogue um pouco a cebola antes de adicionar o pimentão e a pimenta de cheiro picados juntinhos, e o alho poró. Continue refogando. O arroz integral tem um tempo de cozimento maior que o branco, por isso o colocamos junto com a lentilha desde o começo e eles agora entram no refogado. Mexa um pouco mais. Despeje o caldo de legumes (reservando um dedinho deste no copo americano, pois vamos precisar adiante). Acerte o sal com cuidado, pois o caldo já traz um pouco, e adicione parte do cheiro verde, guardando um pouco para finalizar o prato. Mantenha uma chaleira com água quente do lado para, se necessário, adicionar ao Arabaião, garantindo-lhe o perfeito cozimento. Não resulta al dente, mas é firme. Ao servir, coloque o restante do cheiro verde por cima. O sabor, o perfume e o colorido das verduras frescas são a finalização perfeita.
Acompanhado de uma legítima e bem gelada cajuína, nosso Arabaião aqui apresentado, está servido com um purê misto ao curry, cuja receita vem nas notas de rodapé.
Este prato é o preferido da Catherine, da série Lettre D'Amour³, aqui do blog, e que a Marion prepara com todo amor. "Operação Mjadra", batizou Charlotte. Para elas é uma comida do tipo "levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima". E eu sigo a orientação vez ou outra. Como agora.
Bem, na tristeza ou na alegria, experimente.
Eros garante que das quatro receitas compartilhadas até aqui, esta é a melhor. Ah, mas eu cuidarei para que a espanhola do primeiro capítulo não seja esquecida.
Bom proveito.
Ceronha Pontes
P.S.: Eu cozinhava escutando o digníssimo estudar os intervalos de Vaccaj. Se você tiver um tenor em casa, vá lá. Do contrário e, se aceita, minha sugestão neste exato momento em que lhe escrevo, não é paranaense, nem árabe, nem cearense. Bora pro México? Julieta nos leva.
Notas:
¹ Garganta do Diabo é a maior queda d'água das Cataratas do Iguaçu. Vê-la de muito perto (do lado argentino) sob a lua cheia é um grande espetáculo da natureza. Nessas noites as pessoas jogam moedas depois de fazerem seus pedidos. Ainda não alcancei o meu, mas...
² Ghee é a manteiga clarificada. Destituída da lactose. Se os veganos quiserem estar ainda mais seguros, optem pelo azeite, mas o sabor do ghee é inigualável. Depois que o descobri, margarina é finada. Nordestinos que queiram substituir pela manteiga de garrafa, aff, que vai ficar bom demais.
³ Lettre D'Amour, é uma série aqui do blog, que já teve duas temporadas. A primeira de julho a setembro de 2011. A segunda em janeiro de 2014.
E o purê misto ao curry, nada mais é que os legumes que deram o caldo do Arabaião, machucadinhos e somados ao dedinho do caldo que reservamos, lembra (?), onde se deve adicionar uma pitada de curry e acertar o sal. Numa panela pequena leve o caldinho ao fogo. Quando ferver ponha os "legumes" machucados e mexa bem. Está pronto. Eu servi com parmesão ralado grosso por cima. Os intolerantes, é claro, devem dispensá-lo.
Sem dúvida uma feliz descoberta a daquele arroz com lentilha batizado de Mjadra. Baião de Dois, só que árabe. A receita é simples e de dar raiva, uma vez que NUNCA, como disse há pouco, consegui alcançar o sabor original que tantas vezes desfrutei nos restaurantes que frequentávamos. Nem aquela cebola frita sem-vergonha que finaliza o prato eu consigo realizar bem. Então decidi dar um carinho cearense à mistura árabe, apelando para a pimenta de cheiro e o coentro, por exemplo. Ah, porque é preciso esclarecer aos de "outro mundo" que Baião nunca é de Dois, exatamente. Além do bom e velho arroz com feijão (feijão verde, peloamorde!) o meu, eu tempero pra valer, abdicando, no Arabaião, da nata ou do queijo coalho derretido, que é para não me distanciar tanto assim da Mjadra. E também opto por cozinhá-lo em caldo natural de legumes. O caldo artificial em tablete que usei na receita inaugural foi uma concessão.
Vamos começar?
Use a mesma medida para a lentilha e o arroz (integral). Aqui a receita é para dois, então usemos meia xícara de cada. Deixe-os de molho juntos por uma hora mais ou menos. Enquanto isso preparemos o caldo com pedaços grandes de cenoura, abóbora, inhame e chuchu, temperados com cebola, pimentão, tomate, coentro e cebolinha. Dá para entender as quantidades vendo a foto, eu espero, pois já estamos na quarta receita e é chegado o momento de revelar que cozinha não é uma coisa assim, tãããão exata. Exige olho, sensibilidade. Exercite.
Refogue o dentinho de alho em meia colher de sopa de ghee², adicione a cebola e deixe refogar um pouquinho mais e então chegue com o pimentão, tomate, coentro e cebolinha. Ponha os legumes, sal a gosto, cubra com água fervente e deixe cozinhar. Deve render uns quatro copos americanos de um caldo delicioso, que você vai coar e reservar. Reserve também os legumes cozidinhos para o acompanhamento. Passou uma hora? Pois lave bem o arroz com a lentilha e deixe-os escorrer por uns dez minutos.
Nesse tempo pique uma cebola pequena, um pedaço de pimentão cujo tamanho é a sua sensibilidade quem vai determinar, uma pimentinha de cheiro, alho poró e cheiro verde a gosto. Quem não gostar de coentro então mande ver só na cebolinha mesmo, não substitua por salsinha porque esta não combina com Baião, mesmo o Arabaião.
Panela no fogo, derreta uma colher de sopa rasa de ghee, então refogue um pouco a cebola antes de adicionar o pimentão e a pimenta de cheiro picados juntinhos, e o alho poró. Continue refogando. O arroz integral tem um tempo de cozimento maior que o branco, por isso o colocamos junto com a lentilha desde o começo e eles agora entram no refogado. Mexa um pouco mais. Despeje o caldo de legumes (reservando um dedinho deste no copo americano, pois vamos precisar adiante). Acerte o sal com cuidado, pois o caldo já traz um pouco, e adicione parte do cheiro verde, guardando um pouco para finalizar o prato. Mantenha uma chaleira com água quente do lado para, se necessário, adicionar ao Arabaião, garantindo-lhe o perfeito cozimento. Não resulta al dente, mas é firme. Ao servir, coloque o restante do cheiro verde por cima. O sabor, o perfume e o colorido das verduras frescas são a finalização perfeita.
Acompanhado de uma legítima e bem gelada cajuína, nosso Arabaião aqui apresentado, está servido com um purê misto ao curry, cuja receita vem nas notas de rodapé.
Este prato é o preferido da Catherine, da série Lettre D'Amour³, aqui do blog, e que a Marion prepara com todo amor. "Operação Mjadra", batizou Charlotte. Para elas é uma comida do tipo "levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima". E eu sigo a orientação vez ou outra. Como agora.
Bem, na tristeza ou na alegria, experimente.
Eros garante que das quatro receitas compartilhadas até aqui, esta é a melhor. Ah, mas eu cuidarei para que a espanhola do primeiro capítulo não seja esquecida.
Bom proveito.
Ceronha Pontes
P.S.: Eu cozinhava escutando o digníssimo estudar os intervalos de Vaccaj. Se você tiver um tenor em casa, vá lá. Do contrário e, se aceita, minha sugestão neste exato momento em que lhe escrevo, não é paranaense, nem árabe, nem cearense. Bora pro México? Julieta nos leva.
Notas:
¹ Garganta do Diabo é a maior queda d'água das Cataratas do Iguaçu. Vê-la de muito perto (do lado argentino) sob a lua cheia é um grande espetáculo da natureza. Nessas noites as pessoas jogam moedas depois de fazerem seus pedidos. Ainda não alcancei o meu, mas...
² Ghee é a manteiga clarificada. Destituída da lactose. Se os veganos quiserem estar ainda mais seguros, optem pelo azeite, mas o sabor do ghee é inigualável. Depois que o descobri, margarina é finada. Nordestinos que queiram substituir pela manteiga de garrafa, aff, que vai ficar bom demais.
³ Lettre D'Amour, é uma série aqui do blog, que já teve duas temporadas. A primeira de julho a setembro de 2011. A segunda em janeiro de 2014.
E o purê misto ao curry, nada mais é que os legumes que deram o caldo do Arabaião, machucadinhos e somados ao dedinho do caldo que reservamos, lembra (?), onde se deve adicionar uma pitada de curry e acertar o sal. Numa panela pequena leve o caldinho ao fogo. Quando ferver ponha os "legumes" machucados e mexa bem. Está pronto. Eu servi com parmesão ralado grosso por cima. Os intolerantes, é claro, devem dispensá-lo.
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