INTRODUÇÃO
Abrindo os trabalhos
Além do ofício de minha paixão, o teatro, meu prazer também passeia, embora sem o mesmo compromisso, pela cozinha e a escrita. Carecendo aliviar as tensões próprias dos abismos que se colocam entre uma obra e outra, resolvi então juntar minhas outras duas alternativas de alegria na série que inauguramos agora aqui no blog.
Os interessados não façam cerimônia, podem entrar.
Começamos por Tamboril e estamos na casa da Vovó. Quantas delícias! Inesquecíveis as tardes em que arrumávamos as assadeiras com os bulins. Biscoitos de goma que ela e Tia Zélia preparavam. Uma amassava, a outra abria e cortava e a gente colocava dois na forma e um na boca, porque até cru o negócio era bom. Tondequinha sempre vigiando o forno à lenha para que os biscoitos não queimassem. Como numa história fantástica, de tempos em tempos, guiados por Vovó e Tia Zélia, entrávamos nessa espécie de mágica e terna fábrica para adoçar as nossas relações. Naquelas tardes aprendi que cozinha agrega, alegra e dá esperança.
Tia Zélia assumiu a "diretoria" faz tempo. Talento e generosidade não lhe faltam para o comando de tão sagrado lugar. Mantém-se o velho fogão à lenha a todo vapor. Não teve modernidade que roubasse de nós o feijão e os doces produzidos de forma tão deliciosamente arcaica. É uma cozinha conhecida por todo tamborilense. Visita aqui não quer saber de outro canto da casa. Muito menos nós.
Já em Fortaleza, o vegetarianismo só começou a me fazer a cabeça quando o Eros voltou da Índia em 1999. Ele que já não comia carne vermelha, entendeu que os bichos de carne branca mereciam igual consideração. Ainda não consegui abandonar de todo a minha "crueldade", mas, curiosa e abusada, concordei que em nossa casa, nada de bicho morto. Adorei o desafio. De tal modo que, hoje em dia, se eu tiver que temperar um bife vou ter dificuldades.
Sirvam esses três breves recortes da minha trajetória como "cozinheira", para assegurar-lhes de que meu modesto repertório compreende os melhores sentimentos. Cozinhar, para mim, é salvador. Não há tristeza, raiva, dor que resista a um punhado de ervas finas. Por isso estamos aqui.
Quero com esta fartura de letrinhas dar início à série Como Água para Chocolate - receitas em verso e prosa, onde compartilharei dez das receitas praticadas por mim no dia-a-dia. Algumas autorais, outras adaptadas e todas aprovadas por quem tenha desfrutado. Sem grandes produções de imagens, e eu até que gostaria. Por outro lado pode ser bom. Uma cozinha sem instrumentos mirabolantes, os pratos fotografados com uma câmera comum, tudo muito próximo de qualquer um que deseje empenhar o seu amor nesta brincadeira de doar-se. Acredite, também há ganhos. Eles são inevitáveis e preciosos.
O abusadíssimo nome da série, claro, inspirado no romance da mexicana Laura Esquivel, que se transformou num celebrado filme dirigido por Alfonso Arau. Pois bem, contando que Tita, a cozinheira-bruxa da história, nos abençoa, damos a largada. O próximo post traz a receita de estreia: Arroz Chaufa Vegano da Ceronha. Sugiro ver o filme enquanto esperam. Isto pode tornar mais agradável e estimulante a nossa brincadeira.
Ceronha Pontes
Recife-Pe
P.S.: Vocês estão sentindo um cheirinho bom? É o cheiro do canteiro da Vovó. Ela cultivava, a gente colhia. Penso que até hoje ela semeia lá de cima, porque me pego colhendo cada coisa!
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