terça-feira, 10 de junho de 2014

Como Água para Chocolate - receitas em verso e prosa


INTRODUÇÃO

Abrindo os trabalhos

Além do ofício de minha paixão, o teatro, meu prazer também passeia, embora sem o mesmo compromisso, pela cozinha e a escrita. Carecendo aliviar as tensões próprias dos abismos que se colocam entre uma obra e outra, resolvi então juntar minhas outras duas alternativas de alegria na série que inauguramos agora aqui no blog.
Os interessados não façam cerimônia, podem entrar.
Começamos por Tamboril e estamos na casa da Vovó. Quantas delícias! Inesquecíveis as tardes em que arrumávamos as assadeiras com os bulins. Biscoitos de goma que ela e Tia Zélia preparavam. Uma amassava, a outra abria e cortava e a gente colocava dois na forma e um na boca, porque até cru o negócio era bom. Tondequinha sempre vigiando o forno à lenha para que os biscoitos não queimassem. Como numa história fantástica, de tempos em tempos, guiados por Vovó e Tia Zélia, entrávamos nessa espécie de mágica e terna fábrica para adoçar as nossas relações. Naquelas tardes aprendi que cozinha agrega, alegra e dá esperança.
Tia Zélia  assumiu a "diretoria" faz tempo. Talento e generosidade não lhe faltam para o comando de tão sagrado lugar. Mantém-se o velho fogão à lenha a todo vapor. Não teve modernidade que roubasse de nós o feijão e os doces produzidos de forma tão deliciosamente arcaica. É uma cozinha conhecida por todo tamborilense. Visita aqui não quer saber de outro canto da casa. Muito menos nós.


Do outro lado da praça, artista, minha Mãe sempre preferiu enfiar a mão em outra massa e nunca escondeu que não gostava de cozinhar. E eu ficava impressionada com o fato de que, ainda assim, ninguém fizesse bolos mais saborosos que os seus. No final de 1984 ela caiu doente. Teve que ficar uma longa temporada internada em Fortaleza. Coração. Voltaria de lá com um marca-passo. Foi quando eu assumi a cozinha da casa com então 12 anos. Cozinhava uma porcaria, mas o Papai não reclamava jamais. Eu sabia que estava ruim. Me mantinha incentivada porque ele era absolutamente compreensivo e carinhoso. Aprendi rápido e a alegria do velho com cada acerto me estimula para sempre. Quando a Mãe voltou, indiferente às explicações de Freud, ela também gostou.
Já em Fortaleza, o vegetarianismo só começou a me fazer a cabeça quando o Eros voltou da Índia em 1999. Ele que já não comia carne vermelha, entendeu que os bichos de carne branca mereciam igual consideração. Ainda não consegui abandonar de todo a minha "crueldade", mas, curiosa e abusada, concordei que em nossa casa, nada de bicho morto. Adorei o desafio. De tal modo que, hoje em dia, se eu tiver que temperar um bife vou ter dificuldades.
Sirvam esses três breves recortes da minha trajetória como "cozinheira", para assegurar-lhes de que meu modesto repertório compreende os melhores sentimentos. Cozinhar, para mim, é salvador. Não há tristeza, raiva, dor que resista a um punhado de ervas finas. Por isso estamos aqui.
Quero com esta fartura de letrinhas dar início à série Como Água para Chocolate - receitas em verso e prosa, onde compartilharei dez das receitas praticadas por mim no dia-a-dia. Algumas autorais, outras adaptadas e todas aprovadas por quem tenha desfrutado. Sem grandes produções de imagens, e eu até que gostaria. Por outro lado pode ser bom. Uma cozinha sem instrumentos mirabolantes, os pratos fotografados com uma câmera comum, tudo muito próximo de qualquer um que deseje empenhar o seu amor nesta brincadeira de doar-se. Acredite, também há ganhos. Eles são inevitáveis e preciosos.
O abusadíssimo nome da série, claro, inspirado no romance da mexicana Laura Esquivel, que se transformou num celebrado filme dirigido por Alfonso Arau. Pois bem, contando que Tita, a cozinheira-bruxa da história, nos abençoa, damos a largada. O próximo post traz a receita de estreia: Arroz Chaufa Vegano da Ceronha. Sugiro ver o filme enquanto esperam. Isto pode tornar mais agradável e estimulante a nossa brincadeira.

Ceronha Pontes
Recife-Pe

P.S.: Vocês estão sentindo um cheirinho bom? É o cheiro do canteiro da Vovó. Ela cultivava, a gente colhia. Penso que até hoje ela semeia lá de cima, porque me pego colhendo cada coisa!



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