segunda-feira, 19 de setembro de 2016

ALCOVA TAMBÉM É CAMPO DE BATALHA






Por esses dias ganhei da minha amiga Iara uma camiseta com a Rosa Luxemburgo estampada, comprada na lojinha do MST em São Paulo. Senti-me tão honrada com o presente. Sim, o movimento me afeta. Fiquei pensando nessas mulheres de luta que não se esquivam do front. Revisitei a história de Rosa e depois de ler algumas coisas, ai, me sinto obrigada a confessar que morri de vergonha de estar debruçada (em processo de criação) sobre a vida e obra de Delmira Agustini, uma garota de posses, que levou vida pacata e confortável naquela minha Montevideo querida no começo do século XX. Era como se, sobretudo depois de Claudel e tudo quanto ela representa, Rosa me alertasse para um suposto desperdício em aplicar minha energia criadora numa obra que diga de moçoila abastada que escrevia poesia, imaginem. CRISE. Quem nunca? Era como se Delmira desmerecesse de repente a minha compaixão, pois se o mundo está aí todo uma ferida aberta, eu não tenho então o direito de contar uma "historinha" de alcova. Como se o amor(insano, no caso) não merecesse atenção, não suscitasse revolta nem convocasse à transformação. Como se eu, num lapso, numa vertigem, abandonasse a compreensão do quão enorme, dura e longa é a inevitável luta que se impõe desde se nascer mulher. Alcova também é campo de batalha, Dona Ceronha. E nem toda batalha ali travada resultará na "petite mort". Há, aos montes, preocupantes montes, as que resultam em morte. Dura, definitiva e banhada de sangue. Morte. Destituída de poesia. 
Delmira, me perdoe a fraqueza. Me perdoem a fraqueza todas as mulheres violentadas e mortas pelo machismo. Atravesso esse momento de dúvida e chego aqui, do outro lado desse rio denso, certa de que Rosa lutaria ao nosso lado para que se faça justiça à memória dessa mulher, assassinada menos de um ano depois da cerimônia de casamento (ver foto), pelas mãos do homem que a tomou como esposa. Fazer-lhe justiça à memória é enterrar esse pensamento doente de que o "comportamento fora do comum" atribuído à agora morta e mais indefesa do que jamais, justifica o ato criminoso de Enrique Job Reyes.
Delmira Agustini, que os deuses todos do Olimpo me permitam ser canal para a tua dor, para denunciar a tamanha injustiça que sofreste. Que meu instrumento seja digno de tua poesia erótica, arrebatando corações e alimentando desejos para além do Rio de la Plata.
Parece que depois desse lapso recomeçou a chover dentro de mim. Chove muito. E eu não posso deixar de lembrar do Sérgio Sampaio, sofrido sábio, afirmando que "o maior dos temporais aduba o jardim".
Assim seja.
Ceronha Pontes
Recife, 18 de setembro de 2016
A moça lendo e a noiva, são a mesma: Delmira Agustini. Camille vai gostar de tê-la por perto, permitam-me a pretensão, nessa minha galeria.


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