quarta-feira, 9 de julho de 2014

Como Água para Chocolate - receitas em verso e prosa


"Adorei as almas,
As almas adorei."

CAPÍTULO VII

Vatapá Vegetariano da Ceronha

Renego a escrotíssima expressão "negro de alma branca". Tou com o Chico César e num abro:
"Alma não tem cor. 
Ela é colorida, 
Ela multicolor".
Deus defenda fosse de outro jeito, e eu estar sujeita a não merecer o desembaraço da mistura. A negritude que me cabe tem as "cadeiras elétricas da baiana", me aproveitando outra vez do compositor paraibano. Negritude sim e quem duvidar repare no meu "pixanim". Além do muito gosto e habilidade com angus apimentados. A-DO-RO comida de preto. Me sacudo todinha só de pensar. E é com o MEU vatapá vegetariano que boto os amigos loucos.
Aprendi a preparar muito cedo esta iguaria, uma vez que é prato por demais distinto e presença garantida nos banquetes tamborilenses. Na falta de camarão no sertão, usamos o frango desfiado mesmo. Sugiro que você dê um rolê pelo google, se lhe interessar a incrível receita original. Eu, no entanto, tive que adaptar o prato, que era um dos preferidos do Eros no tempo em que ele ainda comia bicho. Quis lhe dar este alento quando adotou outra postura. Sucesso total, não sou dada a falsa modéstia. Alegria que dura mais de década conseguir trazer o vatapá para a cozinha vegetariana preservando-lhe as características. É o prato que mais gosto de preparar. Quem me conhece sabe que não poderia subtraí-lo desta série que diz tanto, mas, TANTO de mim, e que lhes ofereço sem reservas.
Em homenagem ao Eros (tou pra ver amor mais resiliente, êta lelê!), aos meus irmãos Dé e Chico, e à sua admirável Mãe Maria, toda negra, toda linda, toda baiana. E como cozinha, a Dona Maria! Odoiá, Mamãe!
Bote uma tecnomacumba na radiola, fazendo o favor. Conhece não? Clique aqui. Clique, Seo Moço e Dona Menina, que aqui preconceito não tem vez. E vamos gingando enquanto rasgamos oito pães franceses dormidos. Adicionamos 1 cebola, 1 tomate e 1 pimentão médios picados. Também 1 pimentinha de cheiro e 2 dentes de alho. Um pouco de alho-poró e bastante cheiro verde. Um pouco de sal e pimenta calabresa a gosto. Detalhe: se você tiver a pimenta malagueta, amasse-a num pratinho misturada com um pouco de leite e só coloque na hora de levar ao fogo. Explicarei adiante. Agora molhe estes pães temperados com 4 xícaras de leite e reserve.


Prepare 1/2 litro de caldo de legumes conforme lhe ensino no capítulo IV, ou use 2 tabletes de caldo de legumes fervidos e dissolvidos nessa mesma medida de água. No caso de usar os tabletes de caldo, não ponha sal no tempero do pão, pois esse caldinho artificial é muito salgado. Reserve.
Vamos à proteína da soja, substituta do camarão nessa proposta. Meça uma xícara de chá bem cheia daquela miudinha que lembra carne moída. Tanto faz se clara ou escura, não altera o sabor. Cubra com água fervente e deixe hidratar por dez minutos. Depois escorra, resfrie em água corrente e esprema delicadamente para retirar todo o excesso. Pique uma cebola pequena e cheiro verde a gosto. Leia-se coentro e cebolinha, nunca fiz com salsinha. Aqueça numa panela três colheres de azeite de oliva extra virgem e refogue bem a cebola. Coloque um pouco de sal e shoyu a seu gosto. Eu devo usar umas 3 colheres de sopa, não sei ao certo, faço no "olho". Use a sua própria sensibilidade para isso, sem esquecer que o shoyu já vem salgado. Acrescente o cheiro verde e refogue bem. Reserve.
Pique 10 azeitonas verdes e também reserve.


Processamos agora o pão no liquidificador adicionando caldo de legumes aos poucos e na medida da necessidade, até que tenhamos um mingau consistente e muito perfumado. Levamos ao fogo e mexemos sem parar. À medida que engrossa vamos adicionando caldo de legumes, até que sobre só um dedinho. É nessa etapa que você deve ir colocando aos poucos a pimenta malagueta e provando sempre para deixar a seu gosto. É também nesta etapa que sentimos a pimenta calabresa, se optarmos por ela, e acertamos a danada, se necessário. Por isso é importante, na hora de temperar o pão, não colocar tanta pimenta. É um ingrediente que inspira atenção e cautela, concorda?
Pois acrescente agora a soja refogada, as azeitonas picadas e o dedinho do caldo que faltava. Mexa bem. Acerte o sal, se você achar que deve. Adicione umas 4 colheres de azeite de oliva extra virgem para finalizar. Misture. Apague e sirva com acompanhamentos suaves. Aqui eu usei uma arrozinho integral feito com cenoura e quiabo e uma saladinha bem besta de alface crespa com tomate. Refeição coroada com uma deliciosa cerveja negra, tal e qual fiz no capítulo I, com o arroz chaufa.


Quando o danado esfria um pouco ganha esta firmeza. Eu lhe garanto que, apesar de suprimir alguns ingredientes e substituir por soja o camarão, este prato é absolutamente delicioso. E é claro que você pode trabalhar com o tradicional azeite de dendê. Opto pelo de oliva para suavizar o vatapá, pois a suavidade é uma proposta da cozinha aqui de casa e, mais uma vez, lhe garanto sem medo que fica boooooom demais da conta.

                          

Se acabe. Tenha medo não.
Beijo apimentado desta Ceronha.
AXÉ!

P.S.: No próximo episódio, um bolo de banana com canela que Carlos Drummond de Andrade veio saborear comigo, enquanto me dava uns conselhos. Aproveito para pedir a quem seja, nunca usar o santo nome do Carlos em vão.

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