CAPÍTULO VIII
Bolo de banana com canela
Outro dia esbarrei nos meus escritos dos onze aos treze. Quanta amargura, Carlos! Chega a ser engraçado esse transbordamento de desesperança em ser tão principiante em tudo. Tu não demorarias a chegar em capa dura e vermelha e confiei imediatamente em ti, como poucas vezes me aconteceu na vida e, quando aconteceu, me orgulho de ter sido sempre o certo. Nunca vou poder te agradecer o bastante pela caríssima companhia, que me conduzia o olhar e provocava ideias, me protegendo da rudeza do mundo. Imagino que Papai já tenha te encontrado e te agradecido também, por preencher de alguma forma a sua involuntária ausência.
"Há muito tempo, sim, não te escrevo. Ficaram velhas todas as notícias". Mas creia, também no meu coração "perdura a graça do amor, florindo em canção". Por toda a vida, meu velho amigo. E é tão verdade que quando esta me manda um safanão, é tua sabedoria que se impõe sem que eu precise te buscar. Tu estás. Tu és refúgio constante, ainda que tenhas ficado cada vez mais em silêncio, dividindo generosamente o espaço com os outros que vieram depois. Riqueza, Carlos, é me reconhecer em ti, é ser acolhida em tuas palavras.
Aceitas um conhaque? Eu sim.
Senta-te, que te preparo um bolo com essas bananas à beira do apodrecimento. Acho que gosto de vê-las chegar a esse ponto crítico do amadurecimento, para sentir o prazer de transformá-las antes que se percam definitivamente. Como tu dizias: "para exaltar o redivivo amor que de memória-imagem se alimenta e em doçura converte o próprio horror".
Tem certeza que não quer o conhaque? Pois não recuse este café forte e me ajude com os ovos. Separe as claras das gemas de três. Ponha uma pitada de sal nas claras, por favor. Minha Mãe diz que ajuda a dar firmeza às claras em neve. Queres bater? Use esses dois garfos. É bem divertido. Enquanto isso eu descasco e machuco as bananas. Machucar com atenção e carinho é possível com as bananas. Melhor não tentar com outras criaturas. Pronto, uma xícara de chá bem cheia de bananas machucadas e doces. Como eu disse, com as bananas não chega a ser uma contradição. Reservemos.
Oh, que lindas claras, Drummond! Ponha as gemas e continue batendo. Obrigada, querido, agora veja que creme tão bonito se misturamos esses ovos batidos com uma xícara de chá de açúcar e um terço de xícara de chá de óleo. Misturamos bem com a colher de pau. Podes medir para mim um pouco mais de meia xícara de farinha de trigo completando-a, até que fique bem cheia, com farinha de aveia? Muito bem, misture as farinhas com canela a seu gosto. Eu gosto um monte de canela. Isso, misture com toda essa muito sua delicadeza, meu caro. Importante agora adicionarmos ao creme produzido as farinhas com canela, alternando com as bananas. Uma parte daquelas, outra parte destas, até o fim. Misturar com cuidado, com amor, afinal o propósito é promover a capacidade de superação das bananas. Difícil superar o que seja em situação de desamor, não é mesmo? Tu sempre repetias, cantando o desassossego para a minha tola juventude que insistia em perseguir o sentido de tudo, que era o "amor, a descoberta de sentido no absurdo de existir".
Ai, acho que necessito outra dose de conhaque. Não temas, meu amigo, ainda sou capaz de misturar esta colher de sopa de fermento em um terço de copo americano de leite. Veja como cresce. Adicionamos à massa do bolo, misturamos com redobrada atenção, que fermento precisa ser muito bem tratado ou ele estraga tudo o que fizemos até aqui. Ponha numa forma redonda de furo no meio, untada e coberta com uma camada fina de açúcar misturado com canela. Este procedimento resulta numa crosta deliciosa envolvendo todo o bolo.
Teu café esfriou, Carlos. Queres que te prepare outro? Ora, não te preocupes, meu anjo itabirano, "a grande dor das cousas que passaram transmutou-se em finíssimo prazer quando, entre fotos mil que se esgarçavam, tive a fortuna e graça de te ver".
Trinta minutos. Trinta e cinco, talvez. Sentes o perfume? Agora prove. Prove com este chá de frutas cítricas, já que recusas o café.
Te vendo aí tão gentil, tão sábio, tão sem pressa diante deste bolo salvador de bananas e de mim, eu penso naquele teu outro verso de Aparição Amorosa: "tua visita, apenas uma esmola". Ele não se aplica a ti, meu Carlos. Não a ti, que há tanto te demoras. São quantas noites em décadas, meu poeta, que tu consolas? Ah, Drummond! "Eu não devia te dizer, mas essa lua, mas esse conhaque, botam a gente comovido como o diabo".
Ceronha Pontes
Atenção!!!
1- Todos os versos citados são do Carlos, é óbvio.
2- Repare que só aparecem dois ovos na foto. Era eu tentando reduzir da receita, mas o terceiro fez falta. USE 3 OVOS.
3- O Chico César é outra boníssima companhia no preparo dessas delicadezas.
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