domingo, 30 de dezembro de 2012

Tal como se escreve


Para Eros Oliveira

Vestida apenas com os óculos, as pernas misturadas com as dele, que, atento, lhe escuta a leitura de Clarice e Eduardo. 
Ao final das primeiras crônicas e contos, ela o procura por cima dos óculos, reafirmando a cumplicidade. 
Está claro que Eduardo os traduz melhor. Ela sabe, por exemplo, que ele vai gostar de O mundo e A pequena morte. Na mosca!
Depois de A noite/1 ele ri muito e confessa que a tem atravessada entre as pálpebras e na garganta, e ela é toda vaidade.
Seguem.
Celebração das contradições/1. Breve silêncio.
Na de número dois*, é quando ela fecha O livro dos abraços, e ele bate suavemente as mãos num respeitoso aplauso. Acreditam absolutamente no que está escrito.

Ceronha Pontes
30 de dezembro de 2012

*Desamarrar as vozes, dessonhar os sonhos: escrevo querendo revelar o real maravilhoso, e descubro o real maravilhoso no exato centro do real horroroso da América
Nas terras, a cabeça do Deus Elegguá leva a morte na nuca e a vida na cara. Cada promessa é uma ameaça; cada perda um encontro. Dos medos nascem as coragens; e das dúvidas, as certezas. Os sonhos anunciam outra realidade possível, e os delírios, outra razão.
Somos, enfim, o que fazemos para transformar o que somos. A identidade não é uma peça de museu, quietinha na vitrine, mas a sempre assombrosa síntese das contradições nossas de cada dia.
Nessa fé, fugitiva, eu creio. Para mim, é a única fé digna de confiança, porque é parecida com o bicho humano, fodido mas sagrado, e à louca aventura de viver no mundo.

(Celebração das contradições/2 - Eduardo Galeano)




sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Ariela


Eu nunca entendi que a juventude lhe tenha sempre causado estranheza. O frescor da própria carne lhe apavorava, me lembro. De cedo atraída por espíritos velhos. Inclusive os velhos que morriam moços. Fui apresentada a alguns e tenho apelado pra estes. É, porque se não fazemos alguma coisa, o mínimo que pode acontecer é ela ficar bem feia de rancor.
- Vem tomar um refresco, Ariela. 
Nem sinal. Insisto:  
- Olha, aquele magrelo que tu gostas tá querendo botar o bloco na rua, que tal?
Em vão.
- Ele tá dizendo que não adianta, você ouviu?
Nada.
- Tome aqui, Seu Menino. É Sérgio, né? Uma cervejinha e o violão. Convide o Senhor mesmo. Só não vá lhe dizer que está chumbada, arreada, aquelas coisas. Faça-lhe uma graça. Quem sabe?



Ceronha Pontes
21 de dezembro de 2012




Leite derramado



Sempre atrasada no choro, a Dorinha. Fica juntando soluço até explodir. Que susto! Tanto tempo faz.
Era menino ou menina? 

Ceronha Pontes
21 de dezembro de 2012

Enviesada



No dia em que o mundo não acabou, amanheci "A palo seco, o coração ainda "Noturno" e "Meu corpo, minha embalagem, todo gasto na viagem".
Que cante o meu querido Rodger Franco de Rogério, me rasgando em tiras o coração.



Bisonha,
21 de dezembro de 2012

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Meu caminho



Sou de guardar pra sempre quem me ensina. 


Esses dias, em cartaz no Rio de Janeiro, me alegrei como
há muito não acontecia. Há doze anos não abraçava o inesquecível Professor Clovis Levi, que estava morando em Portugal. Uma felicidade ele ali, na plateia daquele Glauce Rocha muito conhecido seu, com a sua Pamela. 


Aproveito pra postar outro momento precioso que acabo de revisitar nos meus arquivos. Cozinhando com meu mestre Celso Nunes, no seu antigo ap., em Floripa. 
Como não fariam de mim uma criatura melhor, tais valores e afetos?

Ceronha Pontes
19 de dezembro de 2012




terça-feira, 18 de dezembro de 2012

"Morna e ingênua"



"A poesia não é de quem escreve, mas de quem precisa dela", disse o carteiro ao Neruda naquele filme antigo e desde então me sinto mais livre por entre os versos que falam de mim, mesmo que por outros escritos. 
Hoje a Vovó, que nos deixou 

em maio passado, faria 95 anos. Lúcida, inteligente, bem humorada. No comando até o fim. Quando se chega a "gente grande", se entende que nunca mais se é feliz nem triste assim, um de cada vez. Vive-se o tempo todo alegre e triste ao mesmo tempo agora. Triste por isto, alegre por aquilo outro.
Triste porque sem ela e sem o Papai minha família diminuiu drasticamente. Quem me amou mais do que eles? E justamente por isto FELIZ. Este amor que é minha fortuna e meu Norte.
Então o Cazuza, meu ídolo exagerado, escreveu este POEMA pra sua própria Avó. Ou seria pro Avô? Não lembro direito, nem faz diferença. "Caju" não teve tempo de cantar o que o Frejat musicou, o Ney cantou e eu tomo pra mim e ofereço à minha Vó Totonha. Com "todo amor que houver nessa vida".





Ceronha Pontes (Cecé)

18 de dezembro de 2012

P.S.: E ontem fez 18 anos longe do Papai.


domingo, 2 de dezembro de 2012

BONECAS (continuação)



- DESESPERADAZINHA, a boneca que já vem com cartelinha de Rivotril, dizendo qualquer coisa:

Não é o tamanho da fonte que determina que uma letra seja maiúscula ou minúscula. Por exemplo, podemos escrever "desistir" com um d minúsculo bem grandão. E "NADA A VER" todo em maiúsculas de tamanho pequeno. Sentido faz a coisa no seu devido lugar.


Achincalhada, VINGATIVAZINHA, a boneca que já vem com "o Cão no couro", decidiu abandonar o fogão. Seu projeto agora é "costurar pra fora". Especialidade: BABADO. E eu soube de fonte segura que ela não dá ponto sem nó.

- Enredada no entretenimento e no consumo, desperta ULTRAPASSADAZINHA, a boneca que já vem com radiola e disquinhos de vinil, assombrada por um desejo datado: "Ideologia, eu quero uma pra viver".


Ceronha Bisonha

Recife-Pe, 02 de dezembro de 2012.

http://www.youtube.com/watch?v=AuZ6ubVXOoo&feature=share&list=PL063A5C416C3D6370



sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Sim, isso me interessa.


                                                            Foto: Alessandra Haro

Eu sinto a Arte grifando a Vida. 
Não tenho estado muito no teatro. Seja para representar ou apreciar. Esses dias achei de cair em tentação.
Isso te interessa?, da Companhia Brasileira de Teatro, sob direção do Márcio Abreu. O texto é da francesa Noëlle Renaude. 
Aquilo me doeu por chafurdar na vida em família, e família é um tema que mata. E me doeu porque a cada segundo eu, que queria tanto me esquecer do lado de fora deste ofício, me perguntava o que é feito do que eu carrego aqui dentro e que sufocar me adoece.
Fernando Pessoa diz da Arte alguma coisa parecida com que não seja outra coisa senão "a autoexpressão lutando para ser absoluta". Pois muito bem, não tenho sido verdadeira. 
Aquele trabalho tão bonito devia me encorajar. E eu aposto que em algum lugar no meio desta agonia ele o faça. Assim como a chacoalhada que levei de um velho e sempre admirável professor. 
Se, e quando eu for capaz de reagir, na colheita dos frutos não me esquecerei de ser grata.

Ceronha Pontes
Recife-Pe, 30 de novembro de 2012.


VEJA O TREILER


Película




Adoro este filme, esta cena... Na verdade sutileza é meu "lugar" preferido.

C. Pontes




Qualquer coisa como:

"Itália- No dia em que eu fiz o aborto, fui até a sua casa.Você estava no portão. Não me aproximei porque sua mulher estava lá. Vocês tinham descido do carro. Você carregava as compras, deu um passo pra trás e um encontrão nela. Ela colocou as mãos na barriga. Então eu entendi. A minha vida foi toda assim, cheia de pequenos sinais a mim destinados.

Timóteo- Você nunca vai me perdoar? 

Itália- Deus não nos perdoará. 

Timóteo- Deus não existe, meu amor. 

Itália- Tomara, meu amor, tomara."



Maiores informações: http://omelete.uol.com.br/cinema/inao-se-movai/



quinta-feira, 29 de novembro de 2012

...que se retirem.



- Inviável esta bola doida flutuante abarrotada de gente.

Observa INCOMODADAZINHA, a boneca que já vem com caquinho de vidro, certa de figurar na lista dos que estão sobrando.



Ceronha Pontes
Recife-PE, 29 de novembro de 2012

Extra:

sábado, 24 de novembro de 2012

CONCEPÇÃO



Cruzando. Ele, as pernas. Ela, os braços. E então, mês a mês, religiosamente, vem o sangue consumir o amor. 
A esperança é o Espírito Santo.

Ceronha Pontes
Recife-PE, 24 de novembro de 2012

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Banho de Loja




Certa vez, há muito tempo, um amigo terapeuta (e não o contrário) disse a Alice num momento em que ela estava,digamos assim, deeeeeeeensa:

-Ah, vai fazer as unhas.


Alice, é claro, naquele contexto compreendeu que era bem o jeito bruto dele abreviar uns muito conhecidos versos (polêmica e largamente cantados) da maravilhosa Cecília Meireles:


"Que eu ainda sou bem moço para tanta tristeza,
E deixemos de coisa, cuidemos da vida,
Pois senão chega a morte ou coisa parecida,
E nos arrasta moço, sem ter visto a vida."


Hoje, não sei por qual tamanha agonia, Alice resolveu experimentar a coisa, digo, o conselho, ao pé da letra. Marcou salão. Verdade. Pé, mão e, pasmem, cabelo. 

Foi mais longe. Quis saber como é compensar frustração com roupa nova. Mandou ver num vestido amarelo. Leu em algum site que o amarelo tá na moda, então... 
Se teve sapato? De salto. Nude. Também leu que o nude é elegante. 
Ó do Borogodó mesmo foi um cinto com uma corrente dourada lamentável. Horror, meus deuses, horror!
Agora ela está aqui, envergonhada, enroscada nas minhas pernas e cobrando compreensão. Onde já se viu? Tasquei-lhe um "carão".

- Muito me admira uma mulher como a senhora posando de baratinha. Se passar por um paninho de grife e um sapato de salto? É demais pra mim. Acorrentada com este cinto bizarro eu nem lhe conheço, viu? Nem fale comigo na rua. Vexame certo, pra senhora e pra mim. Da próxima vez faça um exame profundo de consciência e personalidade antes de sair por aí tomando banho de loja. Falando em banho, saia da minha cola e ande logo tirar esta inhaca de shopping. Oh, náusea! Depois tome um café forte que eu tenho certeza que aquele amarelo indeciso entre o ovo e a desgraça vai lhe dar uma ressaca infeliz. Ande, mulher! Largue de choro e me deixe aqui ouvindo o amigo Rodger Rogério cantando esse negócio bonito que só. Aliás, vá agora não, venha cá, escute um pouco que é pra ver se a  senhora recorda quem a senhora é e de onde veio.


Ceronha Pontes 

Recife-Pe, 23 de novembro de 2012

P.S.: Rezando por uma terceira. Que me equilibre.

O Rodger num momento lindo:

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

C'est fini


Rompi com as panelas. A "De Pressão", passional e vulgar, ameaçou explodir. Eu fiz foi dizer a ela:

- Vá, exploda. Exploda logo de uma vez, mas, saiba que não adianta. Estou determinada. Comida, só com amor.

Ceronha Pontes
Recife-PE, 22 de novembro de 2012.


SERÁ?



Maria Lúcia finalmente se deu conta de estar raramente em cena, quase nunca na plateia. Suas referências todas tão distantes, enfraquecidas. Emburrecida, ligou desesperada para a amiga Mônica e perguntou: "Será?"



Ceronha Bisonha
Recife-PE, 22 de novembro de 2012.

domingo, 18 de novembro de 2012

Refúgio



Valha-me Deus! E quando também faltarem as canções? Porque é certo que mesmo elas um dia deixam de dizer.

 

 Cé.

sábado, 17 de novembro de 2012

"A que será que se destina?"


Os que me querem bem não fazem ideia do quanto lhes tenho protegido. Em contrapartida garantem, sem o saber, também, que eu aqui esteja, capaz do bom e do belo e, ao menos por agora, indiferente à falta de sentido.

Cé.

Extra luxo. Sensualité, teu nome é Vanessa Paradis.

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

"Nada no bolso e nas mãos"



Há pessoas que distraidamente vão ajudando a gente, né?
Sabe qual o presentinho de hoje do mesmo Cleyton Cabral ontem aqui citado? TORQUATO NETO. Nada menos. Pelo contrário, tem até o exagerado "plus a mais". Repare nesses grandes aí tocando, cantando, recitando.
Tenho pra mim que algum espírito brincalhão anda soprando coisas nos preciosos ouvidos deste moço que é um achado pra mim em Pernambuco. Por que tem sido na lata,menino. Tipo assim: BUFO!






P.S.: Sugiro que visitem o www.cleytudo.blogspot.com.




terça-feira, 13 de novembro de 2012

Ménage à trois



Hoje o amigo Cleyton Cabral partilhou comigo esta fotografia com os dizeres:

"A mulher que mexe comigo e contigo".

Ele não sabe mas, daqui de onde a tristeza, alguma alegria se buliu em saber-me deste modo irmanada.

Cé.

P.S.: Pra ver ampliada, basta um clik sobre a foto.




                                  A fascinante Hilda Hilst em beleza e escrita.



segunda-feira, 12 de novembro de 2012

UNCOMFORTABLE


A Lili me manda umas mensagens dizendo que eu devia aparecer mais aqui "em casa". Pô, gata, deixa de ser reclamona, faz nem quinze dias que eu postei.
Depois, lá na pracinha da rede não fico tão isolada, falando sozinha para números. Lá, inclusive, preciso nem falar. E ainda sei quem curte, comenta e coisa e tal. Aqui a senha me dá direito a um número e basta. Pessoas sem rosto. Tá, isso também é bom, é de uma outra estranha liberdade, outro tipo de canal. Do qual, é verdade, uso só o básico. Basiquinha da Estrela, taí a boneca.
Agora tenho a desculpa do estado, minha Nêga. Tal como anda o referido, a pracinha é que é o lance, morou?
Pense comigo: tem o povo lá do meu meu Tamboril, os posts inteligentácidos do Pezão, os superdivertidos e sensíveis do Cleyton Cabral, as orações e medonhas frases de auto-ajuda, os amigos trocando farpas nas eleições, os cartazes dos artistas, os "kkk", a senhora sempre "amostrando" esta belezura de "muié" que és...
Quê mais? Ah, "nos sabermos sós, sem estarmos sós", alguém já cantou.
Mas hoje, veja bem o tamanho do seu crédito, vim lhe dizer DAQUI que eu fico agradecidinha de Araújo Pontes de ter uma amiga legal assim, toda empenhada em me proporcionar um bom astral.
Deixa de ser doida, Binha. Tu devias era comemorar  a distância, porque de perto é aquela coisa "braba" te dirigindo, te fazendo andar a pé uma cidade inteira só pra gastar a energia ruim, um SACO!!!! Devias era pedir a São Genésio pra esticar esse tempo em que ando "apenaSH calada". Leia chiando, "visse"? Que eu acho tão bonitinho, Bonitinha. Bonitinha não, que bonitinha na minha terra é feia mesmo. LINDONA!
Super beijo e um videozinho desta moça que a senhora já ouviu de muito perto umas tantas vezes.

Cecé
Recife-Pe, 12 de novmbro de 2012




quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Abusadas felicitações



Querido Poeta,

Faz tempo não nos falamos, ? Outro dia cheguei a rabiscar uma cartinha, mas, tu me conheces, abandono coisas e gentes pelo caminho. Às vezes até gente como tu, Carlinhos. Sinto culpa não. O que já me abandonaram, meu filho, não tá no gibi.
Ia te contar que dei contigo largadinho na  prateleira de famosa livraria, com um adesivo verde feio pra caralho, colado bem abaixo do teu nome com os dizeres: LEITURA OBRIGATÓRIA PARA FUVEST.
Menino, primeiro eu ri. Depois me deu uma pena da garotada vestibulanda que precisa ser obrigada a ler Carlinhos. E Carlinhos lá é Poeta que se leia obrigado? Ô falta de sensibilidade! Juventude sem noção.
Por outro lado, não que eu defenda que os fins justifiquem os meios mas, antes ler Carlinhos assim, do que não ler Carlinhos nem assado, vamo combinar.
Ih, fui péssima, amigo? Desculpa o mal jeito. Adianta dizer que a situação do Monteiro Lobato é pior? Sabias não? Criatura, em vez de obrigado, o coitado se arrisca a ganhar um adesivo com um infame PRO-I-BI-DO, em letras garrafais e fundo de texto roxo-defunto. Uma infelicidade, Drummond. Inclusive, topando com ele por aí, diga de minha solidariedade.
Quanto a ti, bem, também não é assim tããããão obrigado não. Tem até uma ruma de gente hoje no facebook postando teus poemas. Tudo trabalhado no Ctrl c- Ctrl v. Bando de aproveitador querendo aparecer às custas do teu aniversário.Ok, modesto escrevinhador, mandei esta por puro ciúme. Ria de mim, ria. Ria, seu poeta gozador de uma figa. E a verdade é que a FUVEST obrigando o mundo a ler Carlinhos também me mata de ciúme, porque eu queria o Carlinhos só para mim. Só eu saber e citar os versos de Carlinhos.    KKK!!! Eita itabirano da peste, que se teu sucesso dependesse de amiga como eu, tu estavas fodido e mal pago. Deixa de tua frescura, oh Poeta, que um palavrãozinho à toa no escrito engana que é uma beleza. Deixa a gente com a maior pinta de inteligente. Experimente. Depois me conte.
Vou não, botar pedacinho de poesia aqui não. Parabéns e é só. Se você quiser. E se não quiser, problema seu. Eu mesma fui.

Ceronha Pontes
Recife-PE, 31 de outubro de 2012


BONECAS MADE IN CEARÁ



Abestadazinha- Ô Lunguinha, se a pessoa veste o mesmo uniforme, se coloca do mesmo lado do campo que eu, ela é do meu time?

Lunguinha - Tu é doida, ou bebe gás?

Ceronha Pontes
Recife-PE, 31 de outubro de 2012

BONECAS


Zangadinha da Estrela só observando:

- Ô ditado desgraçado esse de que "o Justo paga pelo Pecador". Mas, Hômi Seu Minino, o que tem de "Pecador" dando pinta em companhia do Justo, não é brincadeira. Tem caso em que fica mesmo difícil do Justo escapar de mais este: "diz-me com quem andas, que te direi quem és."


Intolerantezinha da Estrela manifestada:

- Se a farinha de boa qualidade abre ela mesma a boca do saco para que a farinha da má qualidade entre e se abanque, depois não poderá a primeira se sentir ofendida quando supõem que ela e esta outra são "farinha do mesmo saco". Fato.


Tem também a Estudiosazinha da mesma marca de brinquedos. Já vem com dicionário e tudo. Aperte o botãozinho que ela tem na ponta da língua e a resposta é imediata. Por exemplo:


Eu- Rancor?
Estudiosazinha- Ressentimento profundo e reservado decorrente de mágoa que se sofreu sem protesto; aversão não manifestada.
Eu- Brio?

Estudiosazinha- Sentimento da própria dignidade; coragem.

Diferentes, portanto. Digo, brio e rancor.

Ceronha Pontes
Recife, entre 29 e 31 de outubro de 2012 

P.S.: A propósito, não faz muito um homem de BRIO me deu uma chacoalhada que eu tou a própria Tontinha de marca vagabunda. Quem me achar, recolha e devolva em casa, fazendo o favor.

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Mudança de tática


Universo- NÃO, NÃO e NÃÃÃO!!!

Eu- (Beeeem calma) Tou "môca" não, macho. (Mangando) Eu não queria mesmo.

Ceronha Pontes
26 de outubro de 2012



AUTO-AJUDA (em cearês)


Ceronha, mulherzinha, deixa desse teu boneco e te apodera do caminho que tá de noitim, já. Te anima, criatura! Conversa é essa de que não gosta mais não, desse negócio de teatro? E a fia aprendeu outra coisa? Então? Anda, infeliz, arruma esta mala e vai-te. Só me apareça aqui depois da peça feita, tá me entendendo? Engole o choro, que eu tenho horror a cavilação. 
Ainda tá aí? Uma égua dessa... 
Quer frescar, fresque, mas num fique frescando não.

Ceronha Pontes
20 de outubro de 2012 (postando atrasada)

P.S.: E não é que funcionou? A apresentação em Vitória-ES, foi até digna.


sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Tamboril II





Socorro, que eu ando engasgada demais! Será o quê? 
Da série UM TAMBORIL DE SAUDADE, a casa da Vovó. Embora sem ela, ainda é meu refúgio. Uma vez que a que a casa do Papai, sem o Papai...


Ceronnha Pontes (Cecé)
Recife-Pe, 19 de outubro de 2012

Tamboril





Faz 26 anos que parti. Era preciso. Mas sinto sempre e, algumas vezes, como agora, muito mais profundamente, saudade medonha do meu TAMBORIL. Por milagre eu pudesse revisitar a meninice e passar umas férias na casa do Papai!

Ceronha Pontes (num post sobre o Tambas eu devia assinar Cecé)
Recife-Pe, 19 de oubro de 2012.


terça-feira, 9 de outubro de 2012

Os últimos românticos



ELA- Meu bem, não te esqueças de doar o que ainda sirva, depois me enterre no Tamboril.

ELE- Para mim, um Enterro Celestial¹.

(Silêncio)

ELE- No Nepal.

ELA- Se ainda fosse na Muribeca²...

Ceronha Pontes
09 de outubro de 2012

¹ Prática funerária tibetana que consiste em oferecer o cadáver às aves de rapina.
² Aterro sanitário do Recife e Jaboatão dos Guararapes


Tum-tum



Aqui, de onde os mortos, coração na garganta.

Ceronha Pontes

Saída




Teatrólatra, evite o primeiro espetáculo. Danos irreversíveis. Cura improvável.

Ceronha Pontes
09 de outubro de 2012

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Conspiração



Universo, macho, tu andas fumando a prensada, é? Se liga, véi. Eu aqui pelejando e tu com esse teu pé frio? Nã!

Ceronha Pontes
Recife-Pe, 02 de outubro de 2012

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Toma lá, dá cá. (Bendito seja o palavrão.)


No casamento, de repente tá tudo trocado. Aqui em casa, pelo menos, é batata! Um realiza, o outro colhe os frutos. Pra começar, quem lê sou eu, mas, o culto é ele. Como é que pode? Raramente vejo o digníssimo com um livro e, quando acontece, é sempre uma leitura bem específica, ligada ao Budismo e à meditação Vipassana. No entanto, sobre quase tudo discorre com um conhecimento invejável. Sem nem dizer do principal, que é a visão de mundo, afirmo que o cara dá conta de Política, Economia, Religião, Filosofia, História, Arte (música, especialmente, pois tem formação na área).
Não se enganem pensando seja aquele tipo falso, de fala rasa (Santo Anastácio me defenda!). É gente séria, o bofe. Discretíssimo, fala pouco e nunca faz a linha exibido, muito pelo contrário. Ao se perceber sondado, ri pra si e silencia. Ou seja, quando se manifesta é pra ser de utilidade. Agora me pergunte como? "Quem souber morre", diria a minha amiga Nínive Caldas.
Por exemplo, há uns dias me deu uma aula sobre a obra do Caravaggio. Perguntei-lhe em que momento ele se dedicou a isto, que eu não vi (juntos há 17 anos). Lembrou-me que, na faculdade, levava a sério a História da Arte. Ok, mas, isso foi em mil novecentos e bolinha. Ademais, fosse apenas questão de levar a sério eu estava bem na fita. Mistérios.
Felizmente posso me gabar de que é em mim que se observa com maior facilidade aquilo que ele persegue com afinco. "Você não faz um  menor esforço para meditar, embora conheça os benefícios e, no entanto, vive com muito menos cobiça e aversão do que eu", ele diz. Rio. Cínica, afirmo que mais eficiente que o meu terapeuta, IM-POS-SÍ-VEL. Lembrando que o mesmo me deu alta, e com louvor, há um bocado de tempo já. 
De outras trocas recentes, bem, aqui, boquinha porca sou eu. Dona de enormes caralhos e porras, entre outras cositas impublicáveis. Hábito, aliás, que o deixa horrorizado. Porém, recém-chegado de uma temporada na Índia, ao descobrir tudo o que aprontei na sua ausência e sobre algumas viagens que farei a seguir, mais demoradas que o habitual, sempre em função do meu ofício, único motivador dos seus ciúmes, ele, um gozador,  me sai com esta fala advinda de sua ancestralidade mais remota (outra explicação não encontro): "Seu defeito é que não se possa lhe botar cabresto". Insuportavelmente serena, oriento-o: "Meu amor, sua vontade não está acima de todas as outras. Sua vontade é apenas uma, entre todas as outras". Diante da minha ousadia, surpreendeu-me com um PUTA MERDA!!!, nunca antes proferido. Gamei.
"Vamo" combinar que puta-merda tá longe de ser cabeludo, mas, na boca limpinha do meu marido é quase como encontrar um "vai tomar no... furico" no discurso do Dalai Lama. Juro a vocês.
Comemorei a conquista. Conquista sim (não sei como ele não sufocava), eu digo, praticante que sou do palavreado grosseiro como estratégia de detoxi. Vejam bem, não curto usar os meus caralhos de asa para humilhar ninguém, muito menos para promover a fúria alheia. Da paz. É coisa minha comigo, saca? Em substituição às "meisinhas de doido", das quais Deus me livre e guarde. De novo nunca! Experimente você também trocar o Ludiomil por um PUTA QUE PARIU e depois me conte.
Ah, porque se for preciso bater boca mesmo, prefiro um vocabulário requintado. Incapacitar o adversário com um discurso finérrimo? Nada mais divertido. Me lembro de um embate em que a criatura depois teve até de pedir "ajuda aos universitários", tamanha a falta de nível, mas isso eu quero é esquecer.
O fato é que, PUTA MERDA!!!, por ele, canção para os meus ouvidos. Quase tão bonito quanto aquele Puccini com o qual me ganhou anos atrás. Fez-lhe bem uma temporada lavando banheiro em centros de meditação na Índia.
Para concluir, prometo, digo-lhes que o pernambucano é ele, enquanto bem minha a felicidade de viver no Recife. Toda trabalhada nos TiTias e "visse?". E nos chiados. Coisa mais linda o "mesXmo" desse povo daqui. Eu acho.  Por sua vez, o digníssimo tem a alma 100% cearense. E para a minha alegria. Pois a diferença é que, neste caso eu, nascida nos Sertão dos Inhamuns daquele Estado, sinto saudade danada até das vaias do lugar. Ah, meu amigos, só mesmo um cearense pra sentir "a dor e a delícia" de um "iEEEi!".
Com fé nos deuses "tudim", se o tratamento der certo, os trigêmeos Antônia Vragésvare, Antônio Krishna e Anuloma Ganesha, além dos básicos inglês, espanhol e hindi, dominarão o pernambuquês e o cearês com desenvoltura incomum. Pense nuns "minino" obedientes. Tou que ensaio os "carão": "Hen-hen, que menino treloso. Rebola isto no mato e passa pra dentro, infeliz!".
Sem mais, porque já chega, FUI.

Paz e luz (hahaha!).
Com amor,

Ceronha Pontes
Recife-Pe, 24 de Setembro de 2012.


domingo, 23 de setembro de 2012

Um dia de domingo



Domingão de boa, na paz do doce lar. A enteada monografando (já!) no quarto ao lado, ele cochilando ao meu alcance, enquanto a boa música me embala o coração agradecido. 
Acordo com Elomar, cozinho com Chico, Elza...
Agora mesmo quem me emociona é a Angelique Kidjo, de quem virei fã desde a sua magnífica apresentação no Carnaval Recife 2012, ao lado do também incrível Naná Vasconcelos. Queria eu era ter nascido preta como os meus irmãos (Chico e Dé) e rica em ginga. Eriiiiim, quem me segurava? Hômi, Seu Minino, que eu piro nessa nêga! Mas é muito. Escute só:



Ceronha Pontes
Recife-Pe, 23 de setembro de 2012

P.S.: Eu nem vou me importar se acabar em pizza.


segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Chorosa


Vagava pela pracinha do facebook quando a Nely Rosa postou a tristíssima notícia da partida do Airton Monte. Tenho por hábito acessar sua coluna no jornal O POVO, lá do meu Ceará, pensando em atenuar a saudade, mergulhando nas suas crônicas. Não raramente me ocorre justamente o contrário. Ler Airton me enche de uma tal vontade de caminhar pelas ruas do Benfica, Parquelândia...
Tou que me derramo, meus amigos. A distância significativamente aumentada. Sinto tanto!
Alô, Pedro Salgueiro, cresce a sua responsabilidade para com esta cria dos Inhamuns, exilada nas terras do boi voador.
Isso de escrever é uma loucura. Gera afeto fundo, grave. Porque, fora vê-lo pela cidade, falar com Airton aconteceu uma única vez, na Casa de Saúde São Gerardo, onde o mesmo atuava como psiquiatra.
E, no entanto, íntima do Airton "escrito". Total admiração. 
Deixo o link de uma das suas últimas publicações. Segue em paz, oh Poeta. 



Embevecido:
http://www.opovo.com.br/app/colunas/airtonmonte/2012/08/03/noticiasairtonmonte,2891258/embevecido.shtml


Ceronha Pontes
Recife-PE, 10 de setembro de 2012

P.S.: E porque eu tou, permitam-me, fodida mermo, o extra "rasgado" fica por conta de outro conterrâneo.



P.S.²: Saiu hoje (11/09):
http://www.opovo.com.br/app/opovo/vidaearte/2012/09/11/noticiasjornalvidaearte,2917303/inventor-de-delicadezas.shtml


domingo, 9 de setembro de 2012

"Será que é de louça?"




Sempre atriz. Tudo o mais, bom ou ruim, passa antes por ser atriz. Como tal me desdobrei. E se não fosse o teatro (ofício que, embora tão difícil, me salvou e salva), apesar da formação também em Filosofia, gostaria que meu destino fosse mesmo o fogão, pois simplesmente ADOOOOORO cozinhar. Mas, porém, contudo e todavia, uma inusitada experiência que se encerra hoje e durou uma semana, foi bastante significativa para mim. Me juntei à equipe do querido amigo Tadeu Gondim (meu produtor no Coletivo Angu de Teatro), trabalhando na logística da MIMO (Mostra Internacional de Música em Olinda). Bom pra sentir que não é a função (moça dos transportes), mas o modo como realizamos que faz a diferença dentro de nós. O que quer que seja, fazer com boa vontade. Assim foi. Levo isto. 

Ceronha Pontes
Recife-PE, 09 de setembro de 2012

domingo, 2 de setembro de 2012

Recados e retratos


Partilhando as impressões das queridas Lúcia Helena (poeta) e Renata Rosa (cantora e compositora)que me chegaram por e-mail, sobre a nossa aula-espetáculo de ontem. E também as fotos de Camila Sérgio ('brigada', Camilinha!).
C.


"Querida Ceronha,
Que prazer participar da aula espetáculo, aprendi tanto.
O teatro exerce em mim um enorme fascínio enquanto espectadora e fono, mais do que ele só a poesia, porque esta está em mim em carne viva a me instigar o tempo todo.
Ontem pude compreender, sentindo, o que em mim pairava no campo do racional  - o interpretar  não é matéria da emoção, o interpretar é matéria da ação percebida, esmiuçada, e então a emoção se encaixa e a palavra também, já que palavra é ação intencionada, junto ao corpo e resultante do texto, mas só viva se passar pelo corpo teatralizado.
Sim, o teatro se faz de ator e espectador, sou partidária desse "fazer antigo", o resto deve ser complemento.
Sei que desde ontem fui instigada a sair da posição de espectadora e desejar ocupar a de atriz , vivenciar o movimento construído e carregado de intenções.
Grata pela oportunidade , grata a você e a todos da oficina, em especial a Nínive e Lili.
( meu marido sentiu o mesmo, ficou querendo experimentar o agir teatral). 
Beijos,
Lúcia Elena
P.S.: Querida, quis postar no seu blog esse comentário mas não consegui, sou inscrita nele mas após várias tentativas infrutíferas desisti, sou quase uma analfabeta virtual ..."

Lúcia Helena F. Neto

A professora (putz, que os óculos deram a maior credibilidade a este papel) recebendo dois girassóis de dois girassóis.

Crônica do amor escurecido nº 1 
Nínive Caldas (Apolônia) e Lili Rocha (Sara)

Crônica do amor escurecido nº 2 
Nínive Caldas (Neide)


Crônica do amor escurecido n°3
Lili Rocha (Laura)

"Lili e Ceronha,

Meninas, que grande prazer esse domingo que passamos juntas, guiadas pelo bom faro das escolhas inesperadas e da poesia junto a uma bela bandeja Burguer King!!!!! 

Ontem tive a sensação deste poema durante a terceira cena. Aproveitei e transcrevi também um segundo poema, que também me traz sensações semelhantes.

É do poeta sérvio Vasco Popa.

Grande beijo!" 

Renata (Rosa)


OS GUERREIROS DO CAMPO DOS MELROS

Aqui onde estamos
Conquistamos os campos azuis
E as montanhas de minério sem sopé
E nos casamos
Cada qual com sua estrela-guia

Aqui no império que construímos
Mãos cruzadas sobre o peito
Continuamos a batalha

Nós a continuamos para trás

Crianças
Vejam que ainda não chegamos
E sabe lá deus se um dia chegaremos
Ao começo da batalha

De onde ouvimos
Alto em algum lugar sobre nós
A canção verde no melro

(Fotos de Camila Sérgio.)

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Aula-espetáculo



Coletivo Angu de Teatro convida para o encerramento da oficina Ator- POESIA em carne viva, quando apresentaremos uma aula-espetáculo sobre como, à partir do Método das Ações Físicas, se revelam as personagens de Crônicas do amor escurecido, exercício teatral criado especialmente para esta demonstração.
Bem-vindo seja todo e qualquer curioso dos processos de composição do ator.

Concepção, dramaturgia, direção e apresentação - Ceronha Pontes
Elenco - Lili Rocha e Nínive Caldas

Realização - Coletivo Angu de Teatro

Ingressos - 10 Reais
Dia 01 de Setembro - 19:00h
Espaço Coletivo (Rua Tomazina, 199, Recife Antigo)



P.S.: Quem quiser pode trazer seu vinho. Dionísio gosta.


terça-feira, 21 de agosto de 2012

Perseguindo a ternura


Teatro, juro por Dionísio, é coisa que, se eu pudesse, não faria. Abandoná-lo não é uma decisão que eu alcance. Sem escape, resta-me perseguir domínio técnico e fluidez mental, como bem  sugere o Yoshi Oida. Continuamente. Se não encontro sentido, encontro coragem. E vou. Eu e muitos. Deixo este escrito de Louis Jouvet, que o amigo Sidney Souto me enviou. Com este texto Lili Rocha e eu abrimos a oficina Ator- POESIA em carne viva, ontem no Espaço Coletivo.                                               

Ceronha Pontes   

O TEATRO DÁ TERNURA AOS HOMENS
Por Louis Jouvet

Dentre todas as artes, o teatro ocupa um lugar insigne e meritório. Esse lugar deve-se à importância de uma comunidade, de uma comunhão da qual ele vive, que ele sustenta e propaga.
Entre as atividades humanas, o teatro é uma das primeiras, uma das mais persistentes e talvez a mais soberana. É através dele que se exerce com mais verdade e eficácia o poder criador dos homens.
O teatro não é somente a expressão de um povo, de uma nação, mas a afirmação mais verdadeira e mais viva de uma civilização. É no universo a única troca livre, a dos sentimentos, das idéias. Por sua virtude, por sua excelência, o teatro revela-se e afirma-se como um vínculo espiritual incomparável. A vida e a arte do teatro utilizam e criam relações de sensibilidade, relações de afeto e de amizade: todos eles atos essenciais. Transmitidos de uma época para outra, transferidos de uma região ou de uma nação para outra, esses atos criam à sua volta uma comunidade, uma identidade espirituais.
Não é esse o ponto de vista que ordinariamente propõe a crítica dramática. Essa arte para ela não chega tão longe, mas é preciso dizer e repetir que o teatro não é apenas um meio de escutar ou de passar o tempo, é uma ocasião que se busca para preparar e viver sua vida com plenitude.
O teatro não é apenas indústria ou gesticulação, é imaginação, libertação e amor.
Na época enganosa em que vivemos, os mais puros testemunhos de sua realidade nos foram dados pelos prisioneiros dos campos de concentração. Em meio a uma multidão imensa e desnudada, em meio a homens desesperados e desamparados, no seio de sua solidão, de seu sofrimento, o teatro manifestou-se como nas primeiras épocas em que os homens, perdidos, errantes, desolados, incertos, inventaram a representação dramática.
Nos campos de concentração, o teatro nasceu; ele nasceu das mesmas necessidades, das mesmas misérias, das mesmas boas vontades.
Ele restituiu os homens a si mesmos. Libertou, fez reviver neles tudo aquilo que sua nova condição havia destruído ou amortecido; afirmou-lhes a permanência da vida, sua continuidade.
Assim o teatro desperta as esperanças e as lembranças. Faz reviver uma sensibilidade que pode estiolar-se ou soçobrar.
O teatro dá aos homens a ternura humana, essa ternura humana que religa como uma imensa família, através das gerações, o público de Ésquilo, de Sófocles, de Eurípides, ao de Lope, de Vega, de Calderón, ao de Shakespeare, aos nossos clássicos franceses e aos nossos autores contemporâneos.
Através de uma obra representada, através de uma peça, através dos palcos, uma libertação se faz, uma elevação sobrevém, um conhecimento interior se pratica, uma vida profunda se declara entre os homens.
Mas não é pela afronta ou pelo combate que o teatro se organiza. Penetração, descoberta ou enriquecimento do homem, o teatro não vive de exclusão, de dominação, dessas reivindicações de privilégios que os debates econômicos e militares suscitam, sustentam e procuram justificar. A arte dramática de uma nação não se opõe à de uma outra nação vizinha. Ela não exige, para prosperar, que se desqualifique, limite, destrua.
No momento em que, entre as nações, abrem-se discussões e disputas fecundas em antagonismos e dissentimentos, devemos procurar definir o uso e o futuro do teatro, devemos procurar propagar e desenvolver a arte dramática.
Essas considerações, as afirmações ainda recentes que o teatro tem dado de suas qualidades, a evidência de sua necessidade, e de suas virtudes devem comandar e inspirar a atitude daqueles que têm o encargo e a responsabilidade da arte dramática.
Desejamos de nossa parte que a arte dramática jamais possa ser considerada como um instrumento de propaganda, que jamais deva ser assimilada a um mercantilismo ou a uma troca, que a cena seja transformada em uma tribuna.
Desejamos que ela deixe de ser tida por um comércio ou um tráfico; desejamos que a educação faça, no teatro, na arte dramática, o papel que lhe é devido, e que ela permaneça o que sempre tem sido até hoje e o que deve continuar a ser: uma oferenda, uma troca de amizade e de amor entre os homens.
É sua independência, é sua universalidade, parece-me, que devem ser o ponto de partida de nossas preocupações.


In Témoignages sur le théâtre, ed. Flammarion, Paris, 1952, págs. 242-244. Tradução de Roberto Mallet.

sábado, 18 de agosto de 2012

Crônica do amor escurecido nº3 (fragmentos)


                                                                                      
(...)

LAURA- Era bom. O pai de Rosa era homem bom. Mas sabia muito. Fosse do meu jeito, quem se importa? Não quisesse muito, quem se importa? Fosse ninguém, quem se importa? Mas daquele jeito falando, deixando doido quem ouvisse? Tudo doido, gritando por ele. Gritando por ele.

(Mais doce.)

Ele, garboso, uma barba bonita que roçando na gente dava a ver estrela e crer que aquilo é feito gente. “Gente é pra brilhar” *. Repetia.

(Pausa. Levanta-se nervosa, caminha de um lado para outro. Fala aceleradamente.)

Eu não gostava mais de lá. Porta na chave, janela trancada. Nem vento, nem luz dentro de casa. Abafar o choro de Rosa, abafar a zoada do peito, até pensamento abafar. Acho que era mais o pensamento que precisava abafar. Mas, pensamento? Como é que abafa pensamento? Até eu que mal penso, penso.  Queria não pensar. Fico aqui rezando, falando sem parar e era mesmo pra não pensar. Não pensasse, que precisão tinha falar, pedir, sentir esse negócio todinho aqui dentro?  

(...)

Era ruído demais, bastava seguir. Os pensamentos de Vladimir, quem não havia de ouvir? A poesia do outro, meu peito apavorado, a risada de Rosa. Porque aqui, Rosinha deu pra rir. “Papai, aqui pode correr, saltar da janela, comer fruta no pé, que ninguém vê, né”? Mas via.

(...)

Rosa caiu ali. Puxava ao pai, se via. Lia, já: "Gente é pra brilhar" *.



(No chão, extenuada. Braços abertos, peito apontando para o céu.)

Ai meu Deus, esta secura. Nada brota desde então. Só não entendo como é que a terra deu conta de Rosa e Vladimir, e eu ainda estou aqui. Eu e o verso. “Até o fim da eternidade.” *

FIM

* Os versos citados são de Maiakóvski.

Ceronha Pontes
17/08/2012


Nota:Fragmentos da terceira de um conjunto de três peças curtas de minha autoria, que se chamará Crônicas do amor escurecido. Especialmente compostas para a aula-espetáculo que encerrará a oficina Ator- Poesia em carne viva. Breve, no Espaço Coletivo- Recife Antigo.
           

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