(...)
LAURA- Era bom. O pai de Rosa era homem bom. Mas sabia muito. Fosse
do meu jeito, quem se importa? Não quisesse muito, quem se importa? Fosse
ninguém, quem se importa? Mas daquele jeito falando, deixando doido quem
ouvisse? Tudo doido, gritando por ele. Gritando por ele.
(Mais doce.)
Ele, garboso, uma barba bonita que roçando na gente dava a
ver estrela e crer que aquilo é feito gente. “Gente é pra brilhar” *. Repetia.
(Pausa. Levanta-se
nervosa, caminha de um lado para outro. Fala aceleradamente.)
Eu não gostava mais de lá. Porta na chave, janela trancada.
Nem vento, nem luz dentro de casa. Abafar o choro de Rosa, abafar a zoada do
peito, até pensamento abafar. Acho que era mais o pensamento que precisava
abafar. Mas, pensamento? Como é que abafa pensamento? Até eu que mal penso,
penso. Queria não pensar. Fico aqui rezando,
falando sem parar e era mesmo pra não pensar. Não pensasse, que precisão tinha
falar, pedir, sentir esse negócio todinho aqui dentro?
(...)
Era ruído demais, bastava seguir. Os pensamentos de
Vladimir, quem não havia de ouvir? A poesia do outro, meu peito apavorado, a risada
de Rosa. Porque aqui, Rosinha deu pra rir. “Papai, aqui pode correr, saltar da
janela, comer fruta no pé, que ninguém vê, né”? Mas via.
(...)
Rosa caiu ali. Puxava ao pai, se via. Lia, já: "Gente é pra brilhar" *.
(No chão, extenuada.
Braços abertos, peito apontando para o céu.)
Ai meu Deus, esta secura. Nada brota desde então. Só não
entendo como é que a terra deu conta de Rosa e Vladimir, e eu ainda estou aqui.
Eu e o verso. “Até o fim da eternidade.” *
FIM
* Os versos citados são de Maiakóvski.
* Os versos citados são de Maiakóvski.
Ceronha Pontes
17/08/2012
Nota:Fragmentos da terceira de um conjunto de três peças curtas de minha autoria, que se chamará Crônicas do amor escurecido. Especialmente compostas para a aula-espetáculo que encerrará a oficina Ator- Poesia em carne viva. Breve, no Espaço Coletivo- Recife Antigo.
Extra:
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