Naked Portrait (Lucien freud)
No quarto do hotel, ao calor da lareira, pequenos espasmos ainda. Restos de um sonho. Era só a metade da viagem, mas o outro mundo já se impunha. Concreto. De uma urgência autoritária. Aaron pensou em Norma. Desejou que ela estivesse ali. Ele compraria uma garrafa de vinho e conversariam sobre o que só eles alcançam, como se houvesse uma língua só deles. E há. Eu mesma não compreendo tudo o que dizem, por mais participação que me deem.
No dia anterior Norma enchia o abraço de Aaron, aberta aos seus carinhos, aos seus delírios. Partilhava do seu gozo com uma alegria que ele não haveria de esquecer. De repente, tudo tão impalpável.
Agora ele finalmente chegou em casa, que é muito, muito longe. Havia perdido as chaves, mas já conseguiu entrar, se instalar, se reconhecer na paisagem. Paisagem bem diferente daquela de que sofrem neste momento os olhos de Norma. Eu soube dela desalinhada pelas ruas do seu lugar, em estado de recusa do que lhe sobrou ali. Mas conheço seus poderes. Pude já presenciar sua recuperação em situações de improvável cura. Como não saberia lidar com as cicatrizes da alegria? Sei que vai caminhar muito, às vezes correr em disparada, enfrentar as curvas com tanta velocidade que há de desmaiar de tontura. Mas firmará seu passo novamente nas linhas tortas que elege.
Eu os espero sob o frio no alto de uma ladeira. Ou numa canção. Assim seja.
Ceronha Pontes
Recife-PE, 21 de Fevereiro de 2015.
Nenhum comentário:
Postar um comentário