sábado, 8 de fevereiro de 2014

Para Úrsula, com amor sem fim.



Amada Úrsula,

Faz tempo não te escrevo ou telefono. Nossa amizade sempre necessitou de certa distância, concordas? Tamanhas são as nossas diferenças. No entanto, unidos em um amor acima de tudo o que acreditamos ou escolhemos. Apesar de incompatíveis na vida a dois, soubemos ser amor. No pouco tempo juntos, depois no luto da separação, depois pelos caminhos naturalmente distintos: amor.
Se por Azul-Monet adoeci, você só me trouxe saúde. Até quando foste embora com aquele trompetista, com o qual puseste ainda mais crianças neste inferno de mundo, te olhei com ternura e ficamos bem assim, você em Mercúrio, eu em Marte.
Queria escrever para Mia Lil. Dizer o quê? Qualquer manifestação minha e serei ainda mais risível que inconveniente. Não. Sou um porco ferido, mas, cheio de brios.
Ah, claro, Mia Lil é a garota a quem permiti fazer uma bagunça completa na minha vida. E como é próprio das "crianças", fugiu deixando a arrumação para o velho gagá que ora te quer o abraço, Úrsula. Talvez sentar contigo no quintal. Tu não abriste mão de viver numa casa com um belo quintal, espero. Qualquer conversa nossa, por mais diferente que pensássemos, era sempre reveladora. O tempo de um cigarrinho e um mundo novo se abria para cada um de nós. Te admiro a rara e aguda inteligência, e a falta completa de censura. Quanto fascínio, minha Úrsula!
Medo enorme de outra vez ter que admitir um rastro torto ferindo meu caminho. Pois quando penso em Mia Lil, me encho é de vergonha. Lutei bravamente contra o meu desejo. Tu bem sabes que não concordo em ser guiado pelo desejo. Mas ela se esgueira de modo que mesmo eu fui menos que um tolo, merecedor da rasteira que naturalmente se segue nesses casos. Jogo, troça, blefe. A gazela escapou me deixando com a venda nos olhos contando até quanto? Até quando? Que vexame, minha amiga louca, que vexame! Quando seus amigos me encontram e perguntam se estou bem, vejo em suas caras o regojizo de Mia, podendo enfim desdenhar de meu afeto. Eu que fui recusa enquanto tive forças. Cazuza foi quem adivinhou Mia Lil. Sabe a Bete Balanço? Pois é, "fantasiando em segredo o ponto onde quer chegar".
Meninas vão passando mesmo, não é? Aflitas por acessórios. Como pude? Quando o idiota aqui se rendeu, ela fez a volta e surgiu pendurada no pescoço de um poeta de minha estima, crês? Ela escreveu cartas de amor ao seu cachorrinho. Percebes os contornos de que é capaz? Você que não acha sabor em blefar, Úrsula, me diga, porque comigo?
De qualquer modo conhecemos já a ação do tempo. Não duvido de que vou sarar. Só queria que não fosse à custa de desamá-la, porque isso é mais triste que deixar de ser amado.Gostaria de olhar para trás e vê-la ao seu lado. E eu pudesse então amá-la como a ti. Mas creio, por toda a teia que ela construiu, que fará companhia a Azul-Monet.
Úrsula, quem te siga, te sabe inteiro o gingado. Tua dança é destituída de truques. Tu és, e pronto. Linda e livre Úrsula! Tê-la, do jeito mesmo que me coube, é privilégio imenso.

Todo o meu respeito e admiração.

Teu eterno e "complicado",
Frederick.

P.S.: Lembrança às crianças.

(Por Ceronha Pontes)


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