Catherine tomando remédio com licor, secando o rosto úmido no ventilador, tenta promover uma pneumonia, uma tuberculose, sei lá, alguma romântica mazela que lhe mate. Marion, levemente embriagada de tristeza e meia garrafa do pinot noir guardado para quando a Doida voltasse, apelando pras Arábias (arroz com lentilhas, carregado de cebola e pimenta), peleja para recompor a Bisonha. Operação Mjadra, batizou Charlotte, certa vez. Ao meu lado e padecendo do mesmo artifício de serenidade, Isabelle.
Configurada em tufão, parecida quando jovem, ela invade a casa. Vai direto ao ponto. Não se ocupa nem de sua Marion, cujo choro se solta violento. Não de raiva, mágoa ou ciúme. Alívio. Catherine, num gesto quase involuntário, aperta a mão gelada e trêmula da Pequena. Eu e Belle não sabemos ainda o que fazer.
Adivinho a pouca sutileza de Charlotte ao despertar Hélène de seu longo sono de fuga. Hélène grita coisas incompreensíveis. Seu desespero nos arranca da inércia e nos amontoamos na porta estreita do quarto onde Charlotte oferece uma e outra faces, repetidamente, até que aquela gaste as forças e fúria.
Em estado de extrema e absoluta exaustão, se identificam. Charlotte é, enfim, capaz de ouvir o coração de Hélène que, pela primeira vez, orgulha-se da capacidade de resistência e irremediável dom de Charlotte. E esta voltou conforme havia advertido nas correspondências. Marcada de tempo e ferida, um pouco sem beleza ou saúde, mas, limpa. Traz consigo o desejo claro de cumprir-se, simplesmente. Sem mais excessos de ordem alguma. Cumprir-se. Quem lhe negaria?
Prometeu levar Hélène a outro continente, encontrar o seu amor de há seculos. Em troca de saber tudo, absolutamente tudo sobre eleger alguém sentido de ser e de estar. Porque Charlotte nunca se entregou, mas era autoridade em fazer crer àquele a quem envolvia e depois incitava a partida, que morreria de tal produzido e dirigido abandono. O que seria mesmo divertido, não tivesse tantas vezes abusado do realismo. Com alguma dor de todas as partes, selaram a paz por tempo indeterminado.
Não houve o jantar especial planejado por Marion, nem lençóis limpinhos para proteger a "rebelde" na primeira noite desde tantas que foram obrigadas a passar em claro, temendo pelo seu destino. Tudo aconteceu e segue ao revel das expectativas cultivadas.
Comigo, no entanto, Charlotte teve de se explicar. Voltou, agora sei, devido aos apelos de uma Criatura que deixou aos cuidados de Isabelle há muitos anos. Não me admira o desprendimento. Naquele tempo não faltaria um ou outro maledicente que afirmasse, assegurando por A mais B, que a jovem Charlotte, não sabendo muito de si, confundia-se com os papéis. Belle imprimiu toda a dignidade de seu caráter mas, agora, que os dias são outros e vivemos em outras terras, a Criatura virá pelo canal apropriado: Charlotte. Por ela, que é capaz de unir sem pudores as destemperanças de todas as outras na medida que lhe exige a composição.
O que mais me comove nesse desfecho é ver o amor desmedido da Criatura servir de redenção para Hélène. Amar até à loucura. Pois bem, Charlotte o fará.
Neste momento, enquanto elas dormem feito fossem inocentes, sinto já doer em mim, outra vez, a "vida alheia". Por séculos e séculos. Assim seja.
Ceronha Pontes
Recife-Pe, no primeiro minuto de 08 de setembro de 2011
São tantas... e têm tanto em comum.
ResponderExcluirParabéns pelo Lettre D´Amour, como sempre, um primor.
Beijos.
Parabéns Cé, a série foi linda.
ResponderExcluirMuito bom poder conhecer um pouco dessas criaturas e um pouco de você.
Partes do seu todo.
Beijo grande
Não sei como termino. Acho que passou um tufão aqui também.
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