quinta-feira, 28 de julho de 2011

LETTRE D'AMOUR nº 5



Ma petite Marion,


Em vão lhes peço silêncio, não é? Até Madame Bisonha se atreve. 
Não abro mão de conhecer a fundo a parte que me coube. Lamento por quanto repercute em cada uma, mas vou até o fim desta aflição. De cara com a cara do mundo, que está feia pra caralho (é palavrão, querida), apuro os sentidos. O preço é alto e teus ungüentos serão de grande valia. Também o brigadeiro. 
Ah, minha pequena, teu açúcar "no ponto" me liberta o choro. Já faltava ar.
Acalme as criaturas. Diga-lhes da importância de se deixarem viver também por Isabelle. Metódica, técnica, burocrática mesmo, a nossa Belle, mas é preciso que conheçam o fogo brando. Por minhas mãos, apenas, se consumiriam no primeiro ato. 
Obrigada por tudo, ma petite. 


Charlotte, a tua Doida.


P.S.: Te escrevendo poema num guardanapo. Com sorte não o receberás sujo de sangue.


pra quando vieres comigo:


Por Ceronha Pontes
De acolá, pelos dias

quarta-feira, 27 de julho de 2011

LETTRE D'AMOUR nº 4



Charlotte,


Me alegra que te revoltes, apesar do quanto nos arriscamos com a tua falta de censura ou limites. Parece perverso mas, precisamos disso. Quando tu pões as coisas fora da ordem, sempre se revela algo maior.
Catherine não sabe como dizê-lo, mas estou certa de que também te admira e quer. Tenha paciência. Ela interage cada dia menos. Tem passado a vida no escuro, chegando a ficar embolorada, a nossa Bisonha. Então, que ela exija o teu retorno é bom sinal.
Quanto a Isabelle, é comovente o modo como se ocupa de ti. Nunca perde a esperança de que um dia ficarás em paz. Faço-lhe companhia nas preces, embora não pense que tu consigas alguma vez contentar-te com o que se apresenta. 
A julgar pela inquietação de tuas criaturas, suponho que te envenenaste o bastante já, não deves demorar muito mais. Te espero com os remedinhos de sempre para curar tua garganta, e comidinha amorosa para te aliviar o estômago. Não enxergas aquilo de quê te alimentas quando estás em fúria, minha Doida. Te machucas demais. Os deuses todos te protejam, e a nós.


Tua pequena Marion.


P.S.: Fiz crepe de brigadeiro hoje. Lembrei de você queimando a língua.


Pra quando você voltar:



Por Ceronha Pontes
Na vizinhança,
Amanhã, talvez.

LETTRE D'AMOUR nº 3



Charlotte,


Escrever-te me violenta, espero que te lembres. E custa muito à Isabelle conter os ânimos envolvidos. Não abuse. Preservar-nos a sanidade é de um esforço que a envelhece séculos por dia. Passou a noite a velar-me, pobrezinha, tentando me adivinhar a dor. 
Nos colocam em risco o teu egoísmo e rebeldia, e o meu silêncio, reconheço. Ah, te enganas quanto aos covardes. Escorro indevidamente para dentro, e esta fúria contida ainda nos mata antes do previsto. Não é direito que estiquemos demasiado o fio. E não me queira convencer de que não te importas em fazer as coisas certas. Conheço-te. 
Temos pressa.


Catherine.


P.S.: Enquanto nos extremamos, a doce Marion se distrai com divinos crepes. Teu lugar à mesa sempre posto.




Por Ceronha Pontes
De mais perto, no dia exato.



terça-feira, 26 de julho de 2011

LETTRE D'AMOUR nº 2



Belle, 


Conduzir-me é muita pretensão, devo lhe dizer. Quando aprenderás? Sigam vossa viagem, ora pois. Melhor que aproveitem o caminho enquanto este lhes dê perspectiva. Dentre nós sou a que se presta aos espinhos e, sobre cobras, bem, me diverte mais que engolir sapos.
Sem cura, será preciso às vezes perder algum tempo com o inimigo. Quando ele se aquietar novamente, e ainda for possível e desejável, vos alcanço. Cada uma se recolhe à conveniência de sua mazela específica, não foi sempre? Coube a ti cuidar, eu sei. Oh, que lástima! Mas não nos perturbe em demasia, não se cobre assim. Não lhe pese tantos desdobramentos. Desafortunado destino. Admita e se adapte.
É indispensável que não alimentes a ilusão de me encontrar mais forte a cada vez. Mentira que a dor nos ensina esta coisa. Prevenida, não te assustes com o quanto me transfiguro. Conhecesse os desvios da covardia, não teria pudores em me refugiar. Os covardes duram mais, repare. 
Cuide-se, e das outras, e de minhas criaturas. Por enquanto, em palavras mais ásperas e, espero que assim convincentes, ME DEIXE EM PAZ.


Charlotte.


P.S.: Seria injusto não lhe dizer que devo tanto ao seu atrevimento.


Por Ceronha Pontes
Nulle Part,  num dia qualquer


oui, pour nous:

LETTRE D'AMOUR nº 1



Querida Charlotte, 


Quando te cansares do que foi, estaremos esperando no mesmo lugar. Melhor que não demores pois, indiferente à nossa boa vontade, o mato cresce e cobre a estrada de perigos. Quanto mais desgastes o coração neste retroceder, tanto mais difícil será reconduzir-te por entre espinhos e cobras.
Saiba que hoje o sol varreu o céu. Se puderes, é um dia bom.


Tua sempre,
Isabelle. 

Por Ceronha Pontes
de Bem Longe dos 26 de julho de vinte onze.


pour nous:

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Olhando pra trás (morrendo de frio)



Tanto me doeu tua ferida que, em te perder, fui feliz. Mas hoje, egoísta e cansada, minha vida pelo teu abraço e risada, por te contar meu sonho e segredo. Ah, se ainda pudesse chamar de minha a tua casa, meu Pai! Sem que o possa, sou de lugar nenhum, sou de ninguém. E ainda é preciso desviar dos carros.

Ceronha Bisonha,
Meio do Mundo, neste vinte e cinco de julho de vinte onze.

sábado, 23 de julho de 2011

À FRANCESA

"Aonde está você agora
além de aqui dentro de mim?"
(Vento no Litoral- Renato Russo)

O excelente vinho que lhe ofereceram, a música que lhe rasgava secretamente a alma, gargalhadas que eram muito mais pelo que o barulho esconde do que propriamente pela graça do que diziam...
E aquela pouca gente se desdobrou em milhares logo na quarta ou quinta taça, terceira faixa do segundo disco. Quem sabe? Dissolvia-se na pequena multidão. Foi quando comovente recordação atirou-lhe de volta à realidade e, quem, ali, lhe devolveria contentamento tão longe no tempo?
Recolheu então a mão esquerda que, apoiada no balcão, se arriscava disponível.

Ceronha Pontes
hoje em João Pessoa-PB

terça-feira, 19 de julho de 2011

O velho amor



Há alguns dias Helena e André voltaram ao hospital onde tiveram um filho interrompido. Desta vez para a última visita à Velha M. Embora longe de parecer com aquela que bem acolhera o casal na então nova cidade,  a mulher guardava ainda alguma fé e vontade. Helena, no entanto, previa o desfecho. Conhecia o caminho. O pai lhe havia ensinado anos  atrás. Não esqueceria. Correu amparar o Velho G, dono do melhor "bom dia!" que lhe tinham desejado. Ficaram assim divididos: André brincando de faz de conta com a Velha, e Helena abrindo passagem para as lágrimas do Velho. Enquanto aqueles planejavam uma festa de São João que não aconteceria, estes, muito emocionados, se diziam doloridas verdades com imenso carinho.
Helena, feroz na defesa de seu projeto individualíssimo, na recusa em seguir com André por onde tivessem muito o que aprender juntos, ouviu de quem bem sabia o fim das contas:  "Dê-lhe a mão. O espetáculo que você não fizer é menos importante que a vida que você não viver." Soou-lhe violento.
A má notícia acaba de chegar. 
Helena chora pelo Velho G, que ficou sem o seu amor da vida inteira. E chora por si, tão incapaz de seguir-lhe o conselho.

Ceronha Tristonha
Recife-Pe
19 de julho de 2011

domingo, 10 de julho de 2011

Entre os dedos



Ainda metida no pijama, intoxicada pelos pensamentos. Ele a observa e se atreve:
-Você está tão linda!
Ela ri ligeiramente. Ele insiste.
-Verdade. Livre de qualquer vestígio adolescente. Uma mulher. Inteira. Linda.
-Seus olhos.
-Sim, para os meus olhos. Que dádiva!
Pesado silêncio. Ela dobra lençóis. Ele permanecerá atento, cuidando.

Ceronha Pontes
Recife-Pe 10 de julho de 2011

os meninos dizendo melhor:

sexta-feira, 8 de julho de 2011

ÁTIMO



Visita distinta e rara e breve e comovente. Bem dizer coisa ressuscitada. Justo quando eu lia Gabriela Mistral, poeta chilena que me foi apresentada por Maria do Céu Cezar e  Luce Pereira (queridas!). Fica o poema e uma aguinha salgada umedecendo meu rosto incrédulo.


ATARDECER


    Siento mi corazón en la dulzura
fundirse como ceras:
son un óleo tardo
y no un vino mis venas,
y siento que mi vida se va huyendo
callada y dulce como la gacela.
(Gabriela Mistral)


Ceronha Pontes 
Recife-Pe, 08 de julho de 2011




quinta-feira, 7 de julho de 2011

De barriga cheia



Ao Velho.


Vendo de fora, tudo é só felicidade. Afetos e chuva fina noS caminhoS seuS. Esse plural é que mata.Tivesse pernas pra tanto...        
Da obrigação de largar, faz-se o veneno da escolha. Um dia bem, tudo bem, é isso aí. No outro é se pudesse não estar aqui
Avessa à própria desperta natureza, tem-se apagado à toa. Escaparia no sono, não fosse pesadelar a cada vez.
Se ao menos aquele ainda vivesse e apontasse para o Norte... Ele, que a fez desobediente, era o único capaz de convencê-la. SÓ ELE, que não está, e de quem uns versinhos do Cazuza fazem especialmente lembrar.


Poema

Eu hoje tive um pesadelo
E levantei atento, a tempo
Eu acordei com medo
E procurei no escuro
Alguém com o seu carinho
E eu lembrei de um tempo
Porque o passado me traz uma lembrança
Do tempo que eu era criança
E o medo era motivo de choro
Desculpa pra um abraço ou um consolo
Hoje eu acordei com medo
Mas não chorei, nem reclamei abrigo
Do escuro, eu via o infinito
Sem presente, passado ou futuro
Senti um abraço forte e já não era medo
Era uma coisa sua que ficou em mim
E não tem fim
De repente, a gente vê que perdeu
Ou está perdendo alguma coisa
Morna e ingênua que vai ficando no caminho
Que é escuro e frio, mas também bonito, porque é iluminado
Pela beleza do que aconteceu há minutos atrás