quinta-feira, 30 de junho de 2011
DESPERDÍCIO
Ernesto tanto descuidou que, um dia, quando deu por si, Laura estava longe, quase desaparecida já. Para ele foi como descobrir-se à beira da morte. O instinto de sobrevivência arrancou-lhe um grito.
- Laaauraaa!!!!!!
Ela ouviu, refez o caminho, está ali de novo, mas, acometida de uma independência mortal para o amor. O quanto ele se ocupava em perdê-la, ela desaprendia a pertencer.
Laura teve grande amigo falecido de inconsequência em plena juventude. Ela pensa na vida breve do amigo enquanto não sabe o que fazer da sua. Chega a considerar que talvez ele tenha sido sempre muito mais razoável do que ela podia enxergar. Lembra da canção do Gilberto Gil que o amigo gostava tanto. Aquela do tempo, sabe? Laura canta em pensamento. Em verdade, implora.
"Tempo rei!
Oh, Tempo Rei!
Oh, Tempo Rei!
Transformai as velhas formas do viver.
Ensinai-me, oh Pai,
O que eu ainda não sei.
Mãe Senhora do Perpétuo, socorrei!"
Posso ouví-la. Juro que posso. Fico escutando com vontade de acudir mas, sendo eu quem menos pode...
Ceronha Pontes
Recife-Pe, 30 de junho de 2011
quarta-feira, 22 de junho de 2011
Nem cruz e nem espada
Envenenada de dúvida, jaz Mariinha.
Ceronha Pontes
Recife-Pe, 22 de junho de 2011
quinta-feira, 16 de junho de 2011
Correndo pro mar nº 2
Entre as muitas manias, ouvir ou cantar a mesmíssima canção dias a fio, ou estar em companhia de um mesmo autor por longas temporadas. Leio e releio o capítulo, poema, conto, artigo, o que seja, até me sentir capaz de seguir sem até...
Pois bem, depois de muito fazer festa pra mim com A voz do coração, aquela do Celso Fonseca e do Ronaldo Bastos, cujos versos garantem que
"meu mundo não caiu
preciso lhe falar
eu gosto de você demais
preciso lhe dizer de todo coração
a falta que você me faz",
comecei a sonhar esquisito, depois triste, terminando por ser bem ruim. Sei lá, deu um negócio. Engraçado, quando a "esquisitice" sobressai na minha pessoa, geralmente me acosto à Hilda Hilst. Com isto não pretendo classificá-la de modo algum, apenas dizer o que se passa. Desta vez, no entanto, convocou-me o "amigo" Eduardo Galeano, com seus Dias e noites de amor e de guerra. Abro em qualquer página...
A terceira margem do rio
Guimarães Rosa tinha sido advertido por uma cigana: "Você vai morrer quando realizar sua maior ambição".
Coisa rara: com tantos deuses e demônios que este homem continha, era um cavalheiro dos mais formais. Sua maior ambição consistia em ser nomeado membro da Academia Brasileira de Letras.
Quando foi designado, inventou desculpas para adiar o ingresso. Inventou desculpas durante anos: a saúde, o tempo, uma viagem...
Até que decidiu que tinha chegado a hora.
Realizou-se a cerimônia solene, e, em seu discurso, Guimarães Rosa disse: "As pessoas não morrem, ficam encantadas".
Três dias depois, ao meio-dia de um domingo, sua mulher encontrou-o morto quando voltou da missa.
Seu Eduardo judia. Gosta que me derrame. O rio corre.
Ceronha Pontes
Recife-Pe, 16 de junho de 2011
quinta-feira, 9 de junho de 2011
Etéreo
Nada tem que dar certo
Nosso amor é bonito
Só não disse ao que veio
Atrasado e aflito
E paramos no meio
Sem saber os desejos
Aonde é que iam dar
E aquele projeto
Ainda estará no ar...
(Eclipse Oculto - Caetano Veloso)
Caco afastou-se até se apropriar de uma condição tal de irrealidade, que se tornou matéria de sonho. Desses que ela só tem vez perdida, e dos quais acorda como quem fosse traída. Era assim que Memé se sentia esta manhã.
Ele bateu à porta, entrou educadamente depois que ela, com um gesto, o convidou a fazê-lo. Parecia cansado. Estava mais magro, muito mesmo. A barba continuava mal feita, com uns fios brancos a mais. Sempre bonito, ela pensou. Ele observava a casa nos seus mínimos detalhes, perscrutando a vida que ela construiu com outro. Cômodo a cômodo, sem pressa, ele vasculhou. Reconheceu-a, reencontrou-se. Gentil, Memé escancarou seu riso mais desarmado e só não o abraçou porque ele se constrange com o toque. Memé é a criatura mais fiel que existe. Passe o tempo que passar, mude o tanto que for, não se recusa. Há de guardar indeterminadamente o frescor, a claridade, o perfume de um lugar insuspeitável a ele dedicado.
Caco despiu-se e entraria no banho quando ruídos deram conta da chegada do amor de realidade, tão palpável e verdadeiro, tão seguro e à vontade que nem se incomodou com a presença rarefeita do velho conhecido. Falava sem parar, o dono da casa, contando alegremente o dia vivido, distribuindo as frutas frescas colhidas no caminho. O "intruso" então recompôs-se, riu discretamente quase sem vontade e partiu.
Memé acordou sem ar. Lhe esperava com a mesa bem posta aquele que está. Felizes como poucos mas, hoje, só por hoje, ela será triste.
Ceronha Pontes
Recife-Pe, 09 de junho de 2011
ilustração de luxo:
terça-feira, 7 de junho de 2011
Calafrios
Ceronha Pontes e Hermila Guedes
(foto: Ivana Moura)
É claro que um maine coon não vai trazer a sua amada de volta. Tampouco um yorkshire lhe dará status. E Sartre estava certo quanto ao inferno. Ah, o outro! Amor nem sempre vem acompanhado de beijos e, às vezes, MATA. Duvida?
ESSA FEBRE QUE NÃO PASSA...
De Luce Pereira, pelo Coletivo Angu de Teatro,
no Teatro Hermilo Borba Filho (Recife-Pe), sábados (19 e 21h) e domingos (18 e 20h).
Cecé
Recife-Pe, 07 de maio de 2011
quinta-feira, 2 de junho de 2011
Leviandades
A gente arma uma confusão do cacete, agita o céu e o inferno fazendo motim com o cão e outros encrenqueiros de asa, uma agonia medonha na peleja pra garantir poder de decisão ao menos sobre esta coisica titica que é um rumo a tomar, enquanto a danada Daquela não chega....
Danei-me, Seu Menino, que me espalhei foi demais! Juntar não posso. Ir por aqui ou por ali é um tal de abandonar pedaço de valia que sobro um aleijo, qualquer que seja eu.
E agora? Tanto quis que nem Santo Anastácio se ocupa em acudir. Faça isso comigo não, meu Santo. Sou devota fuleráge¹, mas tou é precisada, tenha medo. Hômi, tá de noitim e ainda não sei pra onde correr. Quem Danado botou na gente um coração atuleimado² e mais um monte de idéia abarrotando o juízo? Devia arcar com o estrago. Sem querer ofender o Todo Poderoso, que não tou em condições, mas noutra oportunidade (contando que terei) diga lá que pode botar menos interrogação, menos emoção, menos imaginação, menos danação, menos... Olhe, saia diminuindo em tudo que for "ão", passe o lacre e deixe ser pra ver qual é.
Sem me bulir, tou aqui só no aguardo "visse"? Demore não.
Ceronha Bisonha
Recife-Pe, 02 de maio de 2011
¹ Fuleráge: de qualidade duvidosa, sem futuro.
² Atuleimado: exagerado.
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