Entre as muitas manias, ouvir ou cantar a mesmíssima canção dias a fio, ou estar em companhia de um mesmo autor por longas temporadas. Leio e releio o capítulo, poema, conto, artigo, o que seja, até me sentir capaz de seguir sem até...
Pois bem, depois de muito fazer festa pra mim com A voz do coração, aquela do Celso Fonseca e do Ronaldo Bastos, cujos versos garantem que
"meu mundo não caiu
preciso lhe falar
eu gosto de você demais
preciso lhe dizer de todo coração
a falta que você me faz",
comecei a sonhar esquisito, depois triste, terminando por ser bem ruim. Sei lá, deu um negócio. Engraçado, quando a "esquisitice" sobressai na minha pessoa, geralmente me acosto à Hilda Hilst. Com isto não pretendo classificá-la de modo algum, apenas dizer o que se passa. Desta vez, no entanto, convocou-me o "amigo" Eduardo Galeano, com seus Dias e noites de amor e de guerra. Abro em qualquer página...
A terceira margem do rio
Guimarães Rosa tinha sido advertido por uma cigana: "Você vai morrer quando realizar sua maior ambição".
Coisa rara: com tantos deuses e demônios que este homem continha, era um cavalheiro dos mais formais. Sua maior ambição consistia em ser nomeado membro da Academia Brasileira de Letras.
Quando foi designado, inventou desculpas para adiar o ingresso. Inventou desculpas durante anos: a saúde, o tempo, uma viagem...
Até que decidiu que tinha chegado a hora.
Realizou-se a cerimônia solene, e, em seu discurso, Guimarães Rosa disse: "As pessoas não morrem, ficam encantadas".
Três dias depois, ao meio-dia de um domingo, sua mulher encontrou-o morto quando voltou da missa.
Seu Eduardo judia. Gosta que me derrame. O rio corre.
Ceronha Pontes
Recife-Pe, 16 de junho de 2011
"Da vida,sabe-se o que a ostra percebe do mar e do rochedo,inimaginemo-nos",convida guimarães Rosa.
ResponderExcluirCabe ao leitor abandonar a estabilidade das duas margens conhecidas para viajar"rio abaixo,rio afora,rio a dentro-o rio",para alçar-se à terceira margem,o entre-lugar da impossibilidade possivel.Renuncia quem fica,quem está assujeitado às imposições da estabilidade,quem teme a incerteza da viagem,que,na ficção roseana se associa à descoberta do sentido da existência que é plena na terceira margem do rio,a outra dimensão do real que a palavra alcança,indício que nela perplexamente desconhecemos.
NONADA...