Teatro, juro por Dionísio, é coisa que, se eu pudesse, não faria. Abandoná-lo não é uma decisão que eu alcance. Sem escape, resta-me perseguir domínio técnico e fluidez mental, como bem sugere o Yoshi Oida. Continuamente. Se não encontro sentido, encontro coragem. E vou. Eu e muitos. Deixo este escrito de Louis Jouvet, que o amigo Sidney Souto me enviou. Com este texto Lili Rocha e eu abrimos a oficina Ator- POESIA em carne viva, ontem no Espaço Coletivo.
Ceronha Pontes
O TEATRO DÁ TERNURA AOS HOMENS
Por Louis Jouvet
Dentre todas as artes, o teatro ocupa um lugar insigne e meritório. Esse lugar
deve-se à importância de uma comunidade,
de uma comunhão da qual ele vive, que
ele sustenta e propaga.
Entre as atividades humanas, o teatro é uma das
primeiras, uma das mais persistentes e talvez a mais soberana. É através dele
que se exerce com mais verdade e eficácia o poder criador dos homens.
O teatro não é somente a expressão de um povo, de uma nação, mas a afirmação mais verdadeira e mais viva de uma civilização. É no
universo a única troca livre, a dos sentimentos, das idéias. Por sua virtude,
por sua excelência, o teatro revela-se e afirma-se como um vínculo espiritual incomparável. A vida e a arte do teatro utilizam
e criam relações de sensibilidade, relações de afeto e de amizade: todos eles atos essenciais. Transmitidos de uma
época para outra, transferidos de uma região ou de uma nação para outra, esses
atos criam à sua volta uma comunidade, uma identidade espirituais.
Não é esse o ponto de vista que ordinariamente propõe
a crítica dramática. Essa arte para ela não chega tão longe, mas é preciso
dizer e repetir que o teatro não é apenas um meio de escutar ou de passar o tempo, é uma ocasião que se
busca para preparar e viver sua vida com
plenitude.
O teatro não é apenas indústria ou gesticulação, é imaginação, libertação e amor.
Na época enganosa em que vivemos, os mais puros
testemunhos de sua realidade nos foram dados pelos prisioneiros dos campos de
concentração. Em meio a uma multidão imensa e desnudada, em meio a homens
desesperados e desamparados, no seio de sua solidão, de seu sofrimento, o
teatro manifestou-se como nas primeiras épocas em que os homens, perdidos,
errantes, desolados, incertos, inventaram a representação dramática.
Nos campos de concentração, o teatro nasceu; ele
nasceu das mesmas necessidades, das mesmas misérias, das mesmas boas vontades.
Ele restituiu
os homens a si mesmos. Libertou, fez
reviver neles tudo aquilo que sua nova condição havia destruído ou amortecido;
afirmou-lhes a permanência da vida, sua continuidade.
Assim o teatro desperta
as esperanças e as lembranças. Faz reviver
uma sensibilidade que pode estiolar-se ou soçobrar.
O teatro dá
aos homens a ternura humana, essa ternura
humana que religa como uma imensa família, através das gerações, o público de Ésquilo,
de Sófocles, de Eurípides, ao de Lope, de Vega, de Calderón, ao de Shakespeare,
aos nossos clássicos franceses e aos nossos autores contemporâneos.
Através de uma obra representada, através de uma peça,
através dos palcos, uma libertação se
faz, uma elevação sobrevém, um conhecimento interior se pratica, uma vida
profunda se declara entre os homens.
Mas não é pela afronta ou pelo combate que o teatro se
organiza. Penetração, descoberta ou enriquecimento do homem, o teatro não vive
de exclusão, de dominação, dessas reivindicações de privilégios que os debates
econômicos e militares suscitam, sustentam e procuram justificar. A arte
dramática de uma nação não se opõe à de uma outra nação vizinha. Ela não exige,
para prosperar, que se desqualifique, limite, destrua.
No momento em que, entre as nações, abrem-se
discussões e disputas fecundas em antagonismos e dissentimentos, devemos procurar definir o uso e o futuro do teatro,
devemos procurar propagar e
desenvolver a arte dramática.
Essas considerações, as afirmações ainda recentes que
o teatro tem dado de suas qualidades, a evidência
de sua necessidade, e de suas virtudes devem comandar e inspirar a atitude daqueles que têm o encargo e a
responsabilidade da arte dramática.
Desejamos de nossa parte que a arte dramática jamais
possa ser considerada como um instrumento
de propaganda, que jamais deva ser assimilada a um mercantilismo ou a uma troca,
que a cena seja transformada em uma tribuna.
Desejamos que ela deixe de ser tida por um comércio ou um tráfico; desejamos que a educação faça, no teatro, na arte
dramática, o papel que lhe é devido, e que ela permaneça o que sempre tem sido
até hoje e o que deve continuar a ser: uma oferenda,
uma troca de amizade e de amor entre os homens.
É sua independência,
é sua universalidade, parece-me,
que devem ser o ponto de partida de nossas preocupações.
In Témoignages sur le théâtre, ed. Flammarion,
Paris, 1952, págs. 242-244. Tradução de Roberto Mallet.