O marido morreu. Criou doze filhos arriscando inverno que lhe rendesse algumas poucas sacas de feijão e milho extraídos do pequeno roçado familiar. Em tempos de seca, nem me pergunte.
Das sete meninas até as calcinhas eram doações. Usadas e descartadas por outras abastadas. Enquanto os meninos dividiam dois pares de alpercatas, fingindo doença no pé que ficasse descalço. Só mesmo Zequinha tinha os dois completamente nus correndo no terreiro.
Nasceu doido. Doido bem mansinho. Sabe doido carinhoso? O Zequinha. Ele e a mãe eram dotados de uma alegria absurda ao meu entendimento. A mulher feliz e seu menino doido me enfeitiçavam de um jeito que por pouco acreditava em Deus. Não acredito. Não quero acreditar. Eles é que precisam. E o encontram.
As meninas, bem, era botar peito pra embuchar. Feito bicho mesmo, sem culpa nem frescura. Assim os meninos, tanto lhes desse o "frivião na rola" quanto emprenhavam semelhantes desgraçadas. Desgraçadas digo eu, caro leitor, cheia de olhos.
Multiplicando-se na indiferença, eram salvos... Me castra a obrigação do politicamente correto. Ora, fôda-se! SALVOS PELA IGNORÂNCIA. Está dito.
Fiquei mortinha de vergonha quando o ego, inflado pelo espírito natalino, me arrastou certa vez para lá carregando um panelão de sopa e uns panetones. É querer comprar muito barato um alívio qualquer pra uma culpa que eles nem me creditavam, pois desconheciam. Sua felicidade era meu vexame. Eis que a Boazinha (eu), com uma sede de Mamãe Noel (mandaram Zequinha dizer), recusou-lhes a água barrenta da cacimba. Não voltaria ali.
Quantos serão hoje em dia? E porque eu comecei a falar dessa gente? Ah, foi a mãe deles que me feriu a memória. Dona Fulaninha. Nunca uma palavra feia, nunca expressão nenhuma de rancor. Sempre riso, sempre amor, sempre certa do que a vida vale. Pensando nela, ao menos por hoje me desocupo de minhas frustraçõesinhas. Tudo tão inha, né? O forinha, a saudadesinha, a dorzinha, eteceterazinha. Vê, fica é bonito pensar na amígdala ( Dona Fulaninha, a senhora sabe o que é amíGdala?) como uma flor cujos espinhos me invadem e rasgam o ouvido. Porra, muito bonita a minha doencinha!
Ô Dona Fulaninha, foi de quê mesmo que morreu Seu Fulaninho?
Ceronha Pontes
Recife, 29 de novembro de 2010