quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

UM BONDE CHAMADO RACHEL WEISZ



Pois a toda linda Rachel Weisz foi celebrada melhor atriz pelo The Critic's Circle Theatre Awards, em Londres, por sua atuação em Um Bonde Chamado Desejo, do Tennessee Wiliams. Um dos meus textos favoritos.

Deus me livre do pecado de desprestigiar a Vivien Leigh e sua performance memorável. Comparações bem à parte nesta hora em que nada no mundo me impediria imaginar o Stanley Kowalski do Marlon Brando(ai que calor!) com uma Blanche DuBois de Rachel(zinha). Paixão por esta moça, minha gente. Sou do bonde da Weisz e é muito boa viagem, pode crer.

Sem acesso à cena de Rachel, segue uma dos incríveis Marlon e Vivien: http://www.youtube.com/watch?v=o_lToyPAUyE

CERONHA PONTES
27 de janeiro de 2010.

domingo, 24 de janeiro de 2010

ABRINDO JANELAS


"De repente o mar fosforesceu, o navio ficou silente,
o firmamento lactesceu todo em poluções vibrantes de astros
e a Estrelinha Polar fez um pipi de prata no atlântico penico."

Vinícius de Moraes



Longos dias imersa em tristezas diversas. Desde aquelas absolutamente justificáveis, às de origem misteriosa e cura improvável. Desta vez nem os banhos de cachoeira (em geral tão restauradores da saúde e humor) serviram de ungüento para este espírito inquieto.

Só o tempo, senhor de tudo que acalma.

No peito e na cabeça pressão e nó finalmente em processo de afrouxamento, soltura. Alívio! Hoje dei por mim menos tensa, enxergando melhor. Ui, que "mêda"! Atriz de filme de terror que não desfez a caracterização. As pernas, duas escovas de lavar garrafa. Sobrancelhas de Professor Astromar (lembram?), olhos suspensos sobre duas bolsas escuras, cabelo seboso, um horror! Nenhuma mulher deveria se permitir chegar a tal estado. Arrogância confiar tão cegamente na suposta beleza interior.

Rio enfim de mim com aquele riso de quem estivesse recém-operado e não pudesse sacolejar demais o corpo, sabe como é? Pensei em algum lugar que quisesse ir, mas o doce lar ainda é a opção mais segura para estar depois da tempestade.

Me ocorreu lembrar do Carri Costa, que benção! A criatura tomando sol na sacada de um prédio em frente à Leste-Oeste (Fortaleza-Ce), passando "blondô", ouvindo "meu iaiá, meu ioiô" e rebatendo as justas reclamações da vizinhança: "O quêêê? Tá chamando o meeeeu Wando de zoada, é?" (Cena de As Vizinhas.)

Ai, ai, a boa besteira salva, minha gente. Revolução é a do riso. Alienante é a falta de humor, os pensamentos sombrios. Salve o Carri e sua enésima edição de Tita e Nic!

Antes que o chão se abra novamente, antes que me falte fé outra vez, antes... e depois, rir, simplesmente.

CERONHA PONTES
Recife, 24 de janeiro de 2010.


segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

À DERIVA

“Oxalá, meu pai, tem pena de nós, tem dó!”


China, 28 de julho de 1976, a cidade de Tangshan é arrasada por um terremoto que matou cerca de 300 mil pessoas, de acordo com os números oficiais, quando os dados não oficiais apontam para 600 mil.

Mais do que inadequada, a comunicação naquela China funcionava como um agente do isolamento que o regime político impunha. Resultado disso é que a informação sobre tamanha catástrofe demorou a chegar ao conhecimento do restante do país, coisa que aconteceu depois que um sobrevivente conseguiu viajar até Pequim (160 Km) para pedir socorro, e do alerta da imprensa estrangeira respaldada pelos comunicados de diversos países que dispunham de instrumentos mais sofisticados para monitoramento de tais fenômenos. Além disso, o país estava em crise, o líder Mao Tsé-tung à beira da morte (faleceu em setembro do mesmo ano) e as autoridades estavam muito mais interessadas em perseguir e denunciar o inimigo político. Em discursos públicos destituídos de qualquer sinal de solidariedade, Madame Mao proferia abomináveis palavras: “Houve apenas vários milhares de mortos. E daí? Denunciar Deng Xiaoping interessa a 800 milhões de pessoas”. Nos muros, os seguidores de Mao escreviam: “Fiquem alerta com a tentativa de Deng Xiaoping de explorar a fobia de terremoto para suprimir a revolução”.

A China estava fechada e não permitia qualquer intervenção, nenhuma ajuda internacional. Assim, em completo abandono, numa demonstração da força inexplicável que toma o Homem quando desafiado com tanta fúria, os sobreviventes se “levantam dos próprios joelhos”, me permitindo usar uma expressão do Camarada Mao, e reconstroem a cidade e suas vidas sem, no entanto, conseguir jamais apagar as marcas mais profundas da tragédia.

Fizemos referência a este episódio no post anterior, escrito dias antes do Haiti vir abaixo. A própria China, não faz muito tempo, sofreu abalos traumáticos, com a diferença de hoje dispor de infra e interesse em manter de pé seus cidadãos, trabalhando para conseguir superar enfim os EUA e se tornar a maior potência econômica do planeta. Não me contenho, acabo alfinetando seus ideais. Mas eu ia dizer dos meios de comunicação (ai, fico me coçando pra também falar mal dos modos de manipulação dos mesmos, mas agora não é hora), é justo reconhecer o milagre de termos acesso ao fato no exato instante em que acontece e com isso apressar os esforços mundiais para atenuar o sofrimento dos haitianos, mesmo que tudo pareça insuficiente para recompor aquela nação miserável.

Diante das imagens e depoimentos que temos acompanhado podemos imaginar como foi acontecer algo nas mesmas proporções e, por muito tempo não chegar ninguém, nada, como se Deus fosse tão somente fantasia, um luxo de quem está muito bem, obrigada. Não tem Dante nem Rodin capazes de descrever tal inferno.

Entendo, é claro, esse papo de que “estamos vivos, isso é o que importa, sofrimento é o deles e demos graças pelo conforto do lar, a mesa farta, saúde e tal”. Acontece que as coisas não estão desconectadas e é óbvio que não ficamos bem assim. Comparações à parte, aquilo tudo é com a gente também, nos afeta e mobiliza. Quanto a mim, não mais que um monte de merda, que gracinha fiz aos deuses para merecer paz e amor enquanto desaba um país? Sou grata a...sei lá Quem ou o Quê pela sorte e boa vida mas, não é possível estar de acordo ou indiferente ao que mantém a tantos e tantos impedidos de desfrutar das condições mínimas para existir com alguma dignidade. Pior é que não faço mais que o básico: separar o lixo para reciclagem, tratar os recursos naturais com o devido respeito, não consumir o desnecessário (com algumas exceções, que não sou de ferro). Também peleeeeeejo para não alimentar cobiça ou aversão, evitando gerar e propagar negatividade. Embora pareça infrutífera atitude, confio. Doar o possível nessas situações serve de algum alívio para nós, os afortunados, mas está longe de ser solução.

Caramba, falar e falar não leva a lugar algum. Me manifesto por pura necessidade de estarmos juntos, ao menos isto.

Hoje me abstive das notícias e me proporcionei instantes de alienação e contemplação do domingo chuvoso aqui no Recife. Almoço legal, boa companhia, filminho... Podia ter sido qualquer outro, mas decidimos por Arca Russa (rever depois de muito tempo) do Alexander Sokurov, porque é deslumbrante e, sei lá, pensei em me distrair com a beleza depois da semana dolorida. Ai, a nossa pequenez! Fiquei tão abalada com o filme! Podem alguns acusá-lo de czarista, o que sei é sermos nada diante da beleza, força ou violência da natureza, conforme constatamos em meio às imagens do Haiti e conseguimos a façanha de nos tornarmos pequenos inclusive diante das criações do próprio homem, como bem nos faz sentir o Sokurov neste passeio em sua Arca Russa.

O filme merece um post só seu e não será agora. Por hoje não posso mais nada.

CERONHA PONTES

Recife-Pe, 17/01/2010.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

A vida como ela é, em primeiríssima pessoa.



“...e mais indizível do que todos os acontecimentos são as obras de arte, existências misteriosas, cuja vida perdura ao lado da nossa, que passa.”

Rainer Maria Rilke



Finalmente o ano novo, ufa!

Compreendo os significados, recebo com alegria os afagos e vibro amorosamente, mas, a verdade é que nunca atravesso bem o tal período de “festas”. Me desequilibro inteira. Que desgaste! Pra que tanta aflição?

A correria, o consumo, a comilança, a bebedeira, as declarações de amor. Tudo over. Tudo como se fosse agora ou nunca mais.

Por mim, celebro a rotina. Salve, salve o dia-a-dia, benza Deus a disciplina.

Ver a mesma barraquinha de frutas da esquina ser montada todas as manhãs por uma senhora que não ganhou esta freguesa por pura falta de carisma. Assim mesmo torço por ela. Os motoristas da Borborema discutindo a tabela e fazendo roncar desagradavelmente os velhos ônibus partindo pro Recife Antigo. O carro do gás tocando insistentemente aqueles versos desqualificados e pegajosos: “e e eu iá chorar por você, e e eu iá, ááá, áaá”. Credo!

Depois da padaria, encarar o seu L. Verdureiro, praticante do “lunguismo”, como diria o Pedro Domingues. Sempre pelejando pra vender inteiro um jerimum enooooorme, uma jaca, ou uma melancia descomunal, interrompendo de vez em quando a negociação para se “afirmar”, coitado, convocando aos berros a Dona M., a quem chama de Linda (e isto não é exatamente um carinho): ”Linda, ô Linda, tu num tem nada pra fazer, não é? Ave Maria, mulher é um negócio que sei não, visse?” Superior, indiferente aos resmungos, ela debulha va-ga-ro-sa-men-te o meu quilo de feijão verde. Com as pernas em forma de quatro, escorada no velho balcão, me ponho a apalpar cebolas e a discutir o preço da banana comprida, alongando o tempo de apreciar o espetáculo da vida quando não se quer fazer dela nada além do que é.

Largo as sacolas enquanto travo uma luta com a bolsa em busca das chaves. Venço. Cumprimentos ao Seu G., morador do primeiro andar que cuida com devoção do pequeno jardim do prédio e da tartaruga que por ali se esconde, um querendo sobreviver ao outro.

Resignada, encaro os trabalhos domésticos com ares de mulher antiga. Modéstia à parte, se o Ataulfo e o Mário tivessem me conhecido, Ceronha é era a mulher de verdade, pode crer. É bom dizer que faço por gosto e necessidade também. Do contrário atravesso a fronteira da razão e não tem no mundo quem me pegue. Do fundo do coração, as feministas que me perdoem e considerem o meu esforço, mas, a verdade é que não consegui me adaptar de todo às suas idéias. Por outro lado também não funcionei com Lítio, Rivotril ou as ditas ilegais. Entre uma ou outra limitada inspiração, sobraram-me o tanque e o fogão como bálsamo para aliviar a dor, ou acrescentar às alegrias. Viver.

Coração aberto a tudo, pressente, percebe, recebe o bem e o mal de todos os tempos. Dos infelizes que ilustram o noticiário de hoje às intolerâncias, opressões e selvagerias de tempos distantes. Deságua desespero e amor e ódio também, muitas vezes.

E pelo teatro se expressa, propõe, conversa, tenta fazer diferente. Pagando necessariamente o preço.

Tão assustador mexer nos vespeiros que envolvem Camilles (Claudel), Thomas (de Quincey), Sarahs (Kane), Virgínias (Woolf), Marías (Lejárraga, anônimas, fictícias) e todos aqueles nomes chineses da Revolução Cultural, dos quais nem sei a pronúncia. Sei que preciso levar à cena. Não por gozar com a dor ou com a pretensão inglória de reparar-lhes mal algum. Nunca com o intuito de esfregar meu dedo tolo na cara do expectador, imagine. Principalmente, juro pelo que há de mais sagrado, nunca para me aproveitar de suas desgraças ou genialidades para encher bilheteria. Apenas perseguindo a felicidade, coisa que implica necessariamente conhecer a tormenta. Humano.

No entanto, não escapo de um certo constrangimento em “bulir na vida alheia” como um perverso laboratório pra fazer meu teatrinho. É um custo não me sentir indigna de me emprestar a essas criaturas. Levo ou perco anos a fio muito mais me convencendo do que concebendo. Foi assim com Camille Claudel, cuja “gestação” demorou desesperadores nove anos. E temo seja assim com Vermelho Mudo, que vem se arrastando com o fato agravante de já não viver em Fortaleza, palco que acolhe minhas loucuras feito mãe benevolente. Conto com o alento, paciência e apoio das minhas meninas que ficaram por lá: Marta, Ju, Chris Góis, Chris de Lavôr, Érica, Samanta, Sol. Ao mesmo tempo em que me pesa demasiado sua fé nesse projeto, cujo conteúdo e esboço me alucinam e tiram o sono, enquanto a estréia permanece uma incógnita.

Passo dias e, sobretudo, noites na China de Mao, de onde é possível fazer conexões com outras misérias mundo afora e perto demais. Os rostos das minhas atrizes multiplicados por esta mente confusa na tentativa de traduzir em cena centenas de pessoas exibidas e fuziladas em um único dos muitos comícios públicos para este fim. Soma macabra. Caminhões carregados de cadáveres pingando sangue pelas ruas. Amores que afloram e dilaceram em meio a humilhações, violência, abusos de toda espécie. Gente enlouquecida e gente que, sabe Deus de que maneira permaneceu sã, embora nunca à salvo.

É da Marta a voz que escuto enquanto a História remonta os devastadores terremotos. São as mãos da Juliana que vejo cavando os escombros, procurando filhos. A cabeça da Lavôr recortada (eu ia dizer decepada) pela luz do Façanha, o corpo nu da Góis pendurado inerte, a debilidade da Érica, a fúria de Sol bradando os ensinamentos do Livro Vermelho, a linda e delicada Samanta dançando de esperança, a presença (disso não vou abrir mão) da Izabel Gurgel em alguns ensaios só pra botar mais lenha na fogueira. E tudo ainda há que ser belo, afinal, é arte. Que grande loucura, meu Deus!

Entre uma idéia e outra, devidamente experimentada no próprio corpo antes de propor ao elenco, me agarro às cotidianidades, como salvação mesmo. Pra não perder de vista o plano em que a vida de fato acontece. Lidando com tantas efemeridades, imaginações, imaterialidades, preciso da vassoura de varrer, do ferro de passar, da agulha de coser e, sobretudo, cozinhar eu preciso. Decoro poemas de Kai-hui enquanto corto o manjericão para a sopa de tomates. Componho dourando cebolas e saem cenas inteiras do forno, junto com a torta vegetariana. Não é apenas experiência da vaidade viver como quem faz arte ou o contrário. Meus mundos, tentando encontrar harmoniosa convivência, pelo bem de minha saúde.

Seja 2010 um ano favorável às nossas desejadas estréias, em todos os sentidos. Sejam os dias todos de se viver sem as afobações que propõe o mercado. E que nunca nos abandone “a sorte de um amor tranqüilo”.

Abraços.

Ceronha Pontes

Recife-Pe, 01/01/2010