domingo, 17 de maio de 2015

Despedida de Galeano


O texto abaixo foi escrito em 15 de abril deste ano e direcionado aos amigos que frequentam o facebook. Entretanto o blog, embora infinitamente menos visitado, guarda melhor as memórias. Por isso vim, ainda que tarde. salvá-lo aqui.


Palacio Legislativo

Despedida de Galeano

Quando estávamos chegando avistamos uma moça que carregava uma pequena bandeira da Venezuela. Maribel lamentou não ter trazido uma do México (seu país), enquanto Eros e eu pensamos que seria justo termos uma do Brasil. Sem bandeiras, mas com os corações latino-americanos batendo forte no peito, entramos.

Maribel, Eros y yo.

Pensei que me perderia numa multidão isolada por cordões. É que às vezes esqueço que o Uruguai é um país pequeno, com uma população pequena e traz, portanto, uma imagem diferente da que estou habituada para ilustrar multidão. Mas, e os cordões de isolamento? E o ostensivo esquema de segurança? E as autoridades reservadas e distantes? E a família “protegida” do nosso assédio? Sim, estavam os guardas muito bem paramentados e até existiam alguns cordões organizadores de fila, caso fosse necessário, mas a verdade é que sendo o velório do nosso Eduardo Galeano, não se pensou em separá-lo de nós. Estávamos todos misturados no mesmo e imenso Salón de los Pasos Perdidos del Palacio Legislativo e clima era de absoluta tranquilidade e gratidão.
Ali estava o atual presidente, Tabaré Vásques e sua pequena comitiva. Teve a elegância de não se demorar mais que uns vinte minutos. E não que isto representasse qualquer impedimento. Como eu disse, estávamos todos no mesmo plano, no mesmo salão, com o mesmo sentimento. A circulação era livre como Galeano nos encorajou a ser. Em verdade entendemos como necessário permitir ao Presidente uma breve conversa com a família, é claro. Trocadas as gentilezas, Tabaré se foi e restamos nós: familiares, amigos, leitores, admiradores... Os curiosos não encontrariam razão para ficar, pois tudo transcorria sem qualquer afetação, apesar do luxo do Palácio.

 
Velatório.

Muitas flores vindas de várias instituições, grupos e mesmo cidadãos comuns. Parei por acaso ao lado das que foram enviadas pelo Teatro del Galpón. Eros percebeu e brincou, dizendo que eu havia me colocado do lado certo.  Maribel se alegrou quando percebeu uma bandeira do México aos pés do caixão. Não leiam como uma desonra o fato de a bandeira estar no chão. Provavelmente algum mexicano agradecido a tinha posto e o protocolo, como já disse, não era uma obsessão. Pediu que Eros fotografasse a singela homenagem dos seus. Ele o fez e seguiu registrando outras delicadezas.  
Emoção quando Maribel me chamou a atenção para a presença da senadora Lucía Topolansky, esposa do ex-presidente Pepe Mujica, pela qual tenho imensa admiração. Estávamos, como disse, todos muito próximos, todos misturados. Eros, muito menos tímido que eu, aproveitou que Lucía lhe sorriu e foi conversar com ela. Eles dois com suas quatro mãos abraçadas. Ele lamentando a perda, ela celebrando o fato de que ele trabalhou até o último momento. Lembrou a Eros a importância de uma mediação recente que Galeano teria feito entre Brasil e Venezuela, para garantir a cordialidade entre os dois. E eu confesso que não estou inteirada do assunto. Mais tarde Eros a chamaria de terna guerrilheira. Eu achei bonito.

 
Lucía Topolansky (a segunda senhora sentada de cabelos e blusa também branca, com paletó azu).

Sim meu queridos, temos registros nossos do ataúde que guardava Galeano, mas não me sinto nem um pouco à vontade para postar. Partilho essas fotos mais discretas porque sei que muitos dos meus amigos gostariam de ter estado ali e prestado sua homenagem. Saibam que em todos os íntimos agradecimentos que fiz nessa despedida, pensei em vocês. Com amor e uma esperança que fraqueja, e muito, mas sempre se refaz.
Um abraço bom.
Ceronha



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