O texto abaixo foi escrito em 15 de abril deste ano e direcionado aos amigos que frequentam o facebook. Entretanto o blog, embora infinitamente menos visitado, guarda melhor as memórias. Por isso vim, ainda que tarde. salvá-lo aqui.
Palacio Legislativo
Despedida de Galeano
Quando estávamos chegando avistamos uma moça que carregava uma pequena bandeira da Venezuela. Maribel lamentou não ter trazido uma do México (seu país), enquanto Eros e eu pensamos que seria justo termos uma do Brasil. Sem bandeiras, mas com os corações latino-americanos batendo forte no peito, entramos.
Quando estávamos chegando avistamos uma moça que carregava uma pequena bandeira da Venezuela. Maribel lamentou não ter trazido uma do México (seu país), enquanto Eros e eu pensamos que seria justo termos uma do Brasil. Sem bandeiras, mas com os corações latino-americanos batendo forte no peito, entramos.
Maribel, Eros y yo.
Pensei que me perderia numa multidão isolada por cordões. É
que às vezes esqueço que o Uruguai é um país pequeno, com uma população pequena
e traz, portanto, uma imagem diferente da que estou habituada para ilustrar
multidão. Mas, e os cordões de isolamento? E o ostensivo esquema de segurança?
E as autoridades reservadas e distantes? E a família “protegida” do nosso
assédio? Sim, estavam os guardas muito bem paramentados e até existiam alguns
cordões organizadores de fila, caso fosse necessário, mas a verdade é que sendo
o velório do nosso Eduardo Galeano, não se pensou em separá-lo de nós.
Estávamos todos misturados no mesmo e imenso Salón de los Pasos Perdidos del
Palacio Legislativo e clima era de absoluta tranquilidade e gratidão.
Ali estava o atual presidente, Tabaré Vásques e sua pequena
comitiva. Teve a elegância de não se demorar mais que uns vinte minutos. E não
que isto representasse qualquer impedimento. Como eu disse, estávamos todos no
mesmo plano, no mesmo salão, com o mesmo sentimento. A circulação era livre
como Galeano nos encorajou a ser. Em verdade entendemos como necessário
permitir ao Presidente uma breve conversa com a família, é claro. Trocadas as
gentilezas, Tabaré se foi e restamos nós: familiares, amigos, leitores,
admiradores... Os curiosos não encontrariam razão para ficar, pois tudo
transcorria sem qualquer afetação, apesar do luxo do Palácio.
Velatório.
Muitas flores vindas de várias instituições, grupos e mesmo
cidadãos comuns. Parei por acaso ao lado das que foram enviadas pelo Teatro del
Galpón. Eros percebeu e brincou, dizendo que eu havia me colocado do lado
certo. Maribel se alegrou quando
percebeu uma bandeira do México aos pés do caixão. Não leiam como uma desonra o
fato de a bandeira estar no chão. Provavelmente algum mexicano agradecido a tinha
posto e o protocolo, como já disse, não era uma obsessão. Pediu que Eros fotografasse
a singela homenagem dos seus. Ele o fez e seguiu registrando outras
delicadezas.
Emoção quando Maribel me chamou a atenção para a presença da
senadora Lucía Topolansky, esposa do ex-presidente Pepe Mujica, pela qual tenho
imensa admiração. Estávamos, como disse,
todos muito próximos, todos misturados. Eros, muito menos tímido que eu,
aproveitou que Lucía lhe sorriu e foi conversar com ela. Eles dois com suas
quatro mãos abraçadas. Ele lamentando a perda, ela celebrando o fato de que ele
trabalhou até o último momento. Lembrou a Eros a importância de uma mediação
recente que Galeano teria feito entre Brasil e Venezuela, para garantir a
cordialidade entre os dois. E eu confesso que não estou inteirada do assunto.
Mais tarde Eros a chamaria de terna guerrilheira. Eu achei bonito.
Lucía Topolansky (a segunda senhora sentada de cabelos e blusa também branca, com paletó azu).
Sim meu queridos, temos registros nossos do ataúde que
guardava Galeano, mas não me sinto nem um pouco à vontade para postar. Partilho
essas fotos mais discretas porque sei que muitos dos meus amigos gostariam de
ter estado ali e prestado sua homenagem. Saibam que em todos os íntimos
agradecimentos que fiz nessa despedida, pensei em vocês. Com amor e uma
esperança que fraqueja, e muito, mas sempre se refaz.
Um abraço bom.
Ceronha
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