quinta-feira, 6 de março de 2014

De Frederick para Vladímir.


Se contenho a minha raiva, enlouqueço. Deixa-me pois esmurrar a faca, caro Vladímir. É a mim que machuco, não temas por Mia. Nela, outra ferida eu jamais abriria, além das devidas à sua consciência. Ela não poderá sair desta situação do mesmo modo inconsequente com que estabelece todas as suas relações. Sim, seu estilo há muito se repete. É um bem que lhe faço, juro. Crês que a ela, ou a qualquer outra pessoa seja favorável viver de apurar um poder desagregador? A que desfecho estará sempre condenada se continua a investir em tramas como esta? Cercando, controlando, manipulando, desrespeitando afetos tão longamente cultivados?
Sorrateira se achega. É de repente que percebemos sua presença lânguida. Sempre e de tal modo ali, a ponto de se tornar necessária. De repente, amigo, me dei conta de não saber fazer nada sem ela, que se enfiou na minha vida e foi cortando um fio aqui, desviando outro acolá, se amarrando noutro adiante, enfim, me despojando de meus afetos outros. E sem qualquer constrangimento, nem senso algum de responsabilidade. Depois de tudo ainda afirma chorosa que "não sabia" como dizer, prevenir, proteger-me do mal.
Não que seja uma pequena difícil de ler, oh poeta. Não é uma Lila Brik. Muito mais facilmente decifrável, a Mia. Mas é tanta doçura envolvendo o vil intento que mesmo eu acabei por apostar que em algum momento aquilo tudo se converteria em outra verdade. Aprazível verdade. Cheguei a inventar Deus, e Ele me garantia o direito e me abençoava a entrega.
Pesa-me a culpa por reduzir a cocô a minha inteligência, diante da beleza de uma pequena cheia de fogo e astúcia. Tu conheces o que arrisco e ainda não estou em segurança, longe disso. Te agradeço por me dares abrigo em tua sublime poesia, Vladímir. Neste momento são estes os versos teus que afogo:

Entraste. Brusca como um desafio.
E amaçando a camurça das luvas
disseste:
- Sabes? Vou me casar.
- É?
Pois bem, casa-te!
Não faz mal.
Agüentarei o golpe.
Não vês como estou calmo?
Dir-se-ia o pulso de um morto.
Te lembras deste teu lema;
"Jack London, dinheiro, amor, paixão"?
Desde então foi o que vi:
tu és uma Gioconda
que é preciso roubar!
E afinal te roubaram.

Adivinho que ela não esteja feliz. Também dela a vida cobra. Quem escapa? Aprenderá com isso mais que finalmente se livrar de animal tão rude feito eu, meu amigo? Ou não aprenderá coisa nenhuma e seguirá repetindo seu jogo como uma viciada? Ah, querido poeta, contando que eu mesmo sucumbi a esses artifícios novamente, que posso exigir de uma criança vaidosa, não é mesmo?

Um abraço cheio de vergonha deste teu devotado,
Frederick.

(Por Ceronha Pontes)





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