Querido diário, eu tenho tido vontade de te escrever. Ensaiei voltar ao Baile inúmeras vezes e finalizar a série dançando com Tessa. Revi a película de onde nos conhecemos e chorei tudo novamente, mas, nenhuma linha sequer, ocupada que estou com uma escrita "profissa", meu caro. Dramaturgia, se diz. Sobre isso te adianto que em breve visitarei o Cemitério Central de Montevideo. Não para encontrar a morte, mas para resgatar La Novia. Maiores detalhes adiante, contenha-se.
De outros escritos vim partilhar contigo, pra tirar um pouco do teu mofo, um pedaço de conversa do meu próximo espetáculo, Concerto de Assobios, em companhia do cantor (ele prefere se dizer intérprete) Gonzaga Leal, em homenagem ao poeta Manoel de Barros, a quem as "borboletas imensam". Em verdade trata-se de um musical idealizado pelo queridíssimo Gonzaga e dirigido pelo André Brasileiro, recheado de cantigas de trabalho e conversas em idioleto manoelês adaptado por mim (pelo menos eu tento), além de nossas próprias memórias, para onde Manoel inevitavelmente nos remete. Segue uma das minhas que deve anteceder um cântico de lavadeiras.
(...)
Ceronha- Ê, Gonzaga, nos tempos de eu bem menininha era
tudo tão diferente. Caixa d’água mal havia, as torneiras eram poucas. Era mesmo em
pode de barro que a gente fazia render o milagre nos tempos da seca. Eu me
lembro da areia do rio seca, dourada. Ali perto da barragem Pedra e Cal, a água
que não caía do céu, brotava agora da terra, de um milagre chamado cacimba. As
cacimbas, Seo Gonzaga, jorrando água limpinha, pra mó de banhar os meninos, pra
cozinhar o feijão, pra lavar os terém, pra lavar roupa também. Pra lavar roupa
Dona Bentinha dizia: “Essa água alveeeeja”. Um sem fim de lavadeiras sobre a areia
dourada do rio. Tondeca, menino, fazendo sabão de potassa é como ninguém.
Agorinha mesmo sou capaz de sentir o cheiro da roupa quarando. Cante, Seo Gonzaga. Pra mó de homenagear Dona Bentinha, Dona Dinoca, Tia Calô, Dona
Chiquinha Pindoba, Dona Chiquinha de Seo Herculano, Dona Maria e as lavadeiras
tudim do meu Tamboril. Cante, Hômi, demore não.
(Trecho de Concerto de Assobios, por Ceronha Pontes)