quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Abominável encantamento

                                                                   Ceronha Pontes/ Foto: Velma Zehd

“O que se sente? O que se vê? Coisas maravilhosas, não é? Espetáculos extraordinários? É muito bonito? Muito terrível? Muito perigoso?”
(O poema do haxixe, Charles Baudelaire)


Atiro-me numa incontestavelmente NOVA aventura, ainda que com ares de cartaz antigo. Inspirado nos Paraísos Artificiais, de Charles Baudelaire e nas Confissões de Um Comedor de Ópio, de Thomas de Quincey (a experiência deste serviu de inspiração para aquele), meu breve solo Um Comedor de Ópio volta à cena. Desta vez “reencarna” em palcos pernambucanos, dentro do Angu Mixprojeto do Coletivo Angu de Teatro, grupo que boníssima acolhida me deu no Recife.
Recuperando motivações, reelaborando a cena, potencializando o gestual, a musicalidade, buscando incansavelmente o frescor. Exercício que perpassa emoções diversas. Oscilo. Vacilo. Num mesmo ensaio tanto me dou por segura quanto por vencida. Não me economizo nas alegrias e inevitáveis dores deste nosso ofício. Ao teatro, TUDO! É feito amar.
Poeta inglês que viveu entre 1785 e 1859, De Quincey me acompanha há doze anos. Sua obra (e de Baudelaire), sua história, vício e ternura, suas agruras, ironia, inteligência, sabedoria, sua força e grande sensibilidade me ensinaram muito. Com ele (ou eles) vou acrescentando ao meu viver e "teatrar". E tudo começou quando, identificada com o corajoso e contundente discurso de Charles, isento de qualquer moralismo ao tratar do consumo de substâncias entorpecentes, me encantei especialmente com a parte dedicada ao ópio, por revelar impressionante conflito de genial poeta (Quincey) que experimenta, pela ação do ópio, a expansão de sua mente brilhante em detrimento de seu corpo, até chegar a um ponto em que um já não serve de morada ou expressão para o outro.
“Horrível situação! Ter a mente fervilhando de idéias e não poder mais atravessar a ponte que separa os campos imaginários do devaneio, das colheitas positivas da ação! Se aquele que estiver me lendo agora conheceu as necessidades da produção, eu não preciso descrever o desespero de um espírito nobre, clarividente, hábil, em luta contra essa danação de caráter tão particular. Abominável encantamento!” (Charles Baudelaire)
O comovente relato de Quincey (opiômano assumido) ilustrando o pensamento de Charles resultou irresistível para esta alma curiosa da sede humana por extinguir a dor e alcançar a felicidade plena. Além disso, o interesse estético movido pela beleza da composição de Charles e Thomas. Como construir UM CORPO QUE NÃO COMPORTA A MENTE? Isto muito atiçava a atriz que vos fala e que depois de doze anos ainda se perturba com o mote. Com exatos dez quilos a mais dentro do mesmíssimo surrado figurino e alguma paciência adquirida, me aplico nesse laboratório “antigo” à procura do que ainda não sei, dos signos que não consegui desvendar ou traduzir, reescrevendo mais uma vez em meu "corpo-cavalo" este poema chamado Thomas De Quincey.
A adaptação do texto “invade” também As Flores do Mal, de Baudelaire, bem como as suas impressões sobre a atuação do haxixe e do vinho no espírito humano, tratando ainda dos Paraísos Artificiais.
Oh, mas não esperem de Charles, Thomas e nem desta abusada que ousa intimidade com eles, acusar imediatamente o ópio. Antes ele encontra em NÓS (nem eu me agüento de tanta pretensão), DEFESA APAIXONADA. Acredito inteiramente que uma discussão respeitável e frutífera acerca de substâncias desta natureza, não pode ignorar-lhes os “benefícios”. A imensa alegria que provoca e o poder que tem de tornar infinitas as possibilidades de criação e de elevar tão alta a capacidade de sonhar, não serão combatidas com a ignorância e melindres de ordem moralista. E fique claro feito água mineral, não estamos entrando aqui (pelo menos não ainda) na atual e complexa questão do narcotráfico. Nos prendemos, e que isto nos acrescente algo de bom, ao drama de De Quincey ao admitir-se inerte, tiranizado pela alegria provocada pela substância que lhe aplacou a dor no estômago e o rendeu pela sucessão de alívios e fertilidade que proporcionou ao seu espírito. Tratamos de seu esforço sobre-humano para livrar-se de tão delicioso quanto perigoso império.
E o que diz a seguir o Baudelaire sobre a sagrada bebida, bem se aplica ao doce veneno da papoula.
“O vinho é semelhante ao homem: nunca saberemos até que ponto podemos prezá-lo ou desprezá-lo, amá-lo e odiá-lo, nem de quantas ações sublimes ou de delitos monstruosos ele é capaz. Não sejamos pois mais cruéis com ele que com nós mesmos, e tratemo-lo como nosso igual.”(Charles Baudelaire)
Evoé!
CERONHA PONTES

Angu Mix: Um Comedor de Ópio ( com Ceronha Pontes), Ela sobre o Silêncio( de Helijane Rocha), Vestido Longo (de Marcelino Freire, com Márcia Cruz e eu de novo , aff!), e mais uma apresentação surpresa a cada vez).No Espaço Coletivo, Rua Tomazina 199 (mesma rua do Burburinho, atrás da Rua da Moeda, pertinho do Paço Alfândega), 21, 27 e 28 de Janeiro, às 21h, ingressos 20 reais, CENSURA 16 ANOS.

Um comentário:

  1. Merda pra nós Cé!!!
    Encerrando ciclos e iniciando outros, eita 2012 danado.
    Beijo grande

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