terça-feira, 19 de maio de 2015

BÚSQUEDA


O texto abaixo foi escrito em 23 de abril deste ano, em Montevideo. Tal e qual a Despedida de Galeano, foi partilhado com os amigos que acompanhavam pelo facebook as minhas buscas. Pelo mesmo motivo está agora salvo aqui.

Procurando Delmira

 
O mausoléu que guarda os restos mortais de Delmira Agustini, no Cementerio Central de Montevideo.

Vim a Montevideo investigar um crime passional ocorrido há pouco mais 100 anos. Enrique Job Reyes matou a sua esposa, a poetisa Delmira Agustini, no dia 06 de julho de 1914.

No meio de tantas informações, cometi um descuido precioso. Anotei errado o endereço da família Agustini. Em vez de San José 1186, escrevi 1126 como sendo o número da casa em que viveu a poetisa Delmira e sua família. Então me surpreendi ao chegar ao número errado e encontrar justamente uma delegacia que trata da violência doméstica. Fui muito bem recebida aí e, é claro, ninguém poderia saber daquilo que meu engano produziu. Uma delegacia? E para esse fim? Achei que, se não era um propósito, também não podia ser uma simples coincidência, mas uma chamada do Universo, que anda sempre a conspirar. 

A delegacia.

Ainda enganada, caminhei da suposta "vivienda" dos Agustini até a Andes 1206, endereço do assassinato. Fiz o que eu acreditava ser o mesmo trajeto que Delmira fez naquela tarde de julho de 1914, para encontrar a morte pelas mãos do homem que dizia amá-la.

Caminhando pela Rua Andes.

Ali reencontrei o pequeno e descuidado rosal invisível nesta Montevideo de um século depois. 
Reparem que um transeunte pisa indiferente sobre a pedra com uma inscrição em homenagem a Delmira. 




Me ajoelho e rezo por todas a mulheres que tiveram o mesmo e indigno fim.


Depois, revendo os documentos, verifico o endereço certo e vou ao lugar que hoje é um pequeno edifício que foge da arquitetura característica de Montevideo, onde funciona uma joalheria. 


O endereço certo.

Mônica, a atendente, um pouco ressabiada a princípio, acabou por me deixar entrar e revelou que por trás da fachada atual, o lugar ainda guarda vestígios da velha casa. Permitiu-me ver o estreito e longo corredor que esta porta fechada esconde. Não pude fotografar por dentro, mas a imagem do "pasillo angosto, largo y de piso rojo" nunca me sairá da memória. 


A porta que esconde o inesquecível corredor.

Das coisas que o engano me revelou, o fato de que hoje, entre o refúgio de Delmira e a casa de Enrique, onde tiveram muitos encontros amorosos mesmo depois da separação, existe hoje uma delegacia que pretende proteger as mulheres de crimes como esse. Segunda é que fui muito bem tratada pelos homens que trabalham ali, especialmente pelo Julio. E outra, é que ali na delegacia descobri o endereço da casa onde Delmira e Enrique moraram, no bairro do Prado.


No mais, reparem que nestas andanças por Montevideo, até os muros me falam de paixão. Porque sim, o Universo conspira.



Ceronha Pontes
Montevideo-Uruguay
23 de abril de 2015

P.S.: A investigação resultará num espetáculo teatral de minha autoria. Por enquanto o chamo de LA NOVIA.


domingo, 17 de maio de 2015

SUBMERSA


Save me, save me, save me! 
Clama o Freddie Mercury pela casa, tentando arrancar Estela desse estado de inércia. Ora, não se gaste à toa, meu rapaz.
Por vezes admirei a conduta de Estela, não nego. Sua firmeza, sua resignação. Amadurecida depois de cada tempestade. Sábia, eu pensava. Engano terrível. A verdade é que ela padece de excesso de razão. Apostou que se arranharia menos assim e terminou acumulando enfermidades de tanto negar-se a si. Feriu-se a fundo com a própria covardia.
Percebo que escrevi a palavra terminou. Queria ter motivos para apagá-la, mas não vou botar panos quentes agora, quando sei que a mão estendida para fora do trem não voltará a alcançar Estela. O trem que ela deixou ir, a vida inteira deixou ir, rompeu com os trilhos, atirou-se no precipício, foi tragado pelas águas, perdeu-se num oceano intransponível. 
Agora eu encaro este gigante azul com a loucura que faltou a Estela. Sinto as pancadas do mar no meu peito igualmente revolto e, compadecida, choro por ela. Mas choro tanto e tanto, que necessito teu canto, Freddie. Continue. Por mim. Save me, save me, save me. I can't face this life alone.

Ceronha Pontes


Despedida de Galeano


O texto abaixo foi escrito em 15 de abril deste ano e direcionado aos amigos que frequentam o facebook. Entretanto o blog, embora infinitamente menos visitado, guarda melhor as memórias. Por isso vim, ainda que tarde. salvá-lo aqui.


Palacio Legislativo

Despedida de Galeano

Quando estávamos chegando avistamos uma moça que carregava uma pequena bandeira da Venezuela. Maribel lamentou não ter trazido uma do México (seu país), enquanto Eros e eu pensamos que seria justo termos uma do Brasil. Sem bandeiras, mas com os corações latino-americanos batendo forte no peito, entramos.

Maribel, Eros y yo.

Pensei que me perderia numa multidão isolada por cordões. É que às vezes esqueço que o Uruguai é um país pequeno, com uma população pequena e traz, portanto, uma imagem diferente da que estou habituada para ilustrar multidão. Mas, e os cordões de isolamento? E o ostensivo esquema de segurança? E as autoridades reservadas e distantes? E a família “protegida” do nosso assédio? Sim, estavam os guardas muito bem paramentados e até existiam alguns cordões organizadores de fila, caso fosse necessário, mas a verdade é que sendo o velório do nosso Eduardo Galeano, não se pensou em separá-lo de nós. Estávamos todos misturados no mesmo e imenso Salón de los Pasos Perdidos del Palacio Legislativo e clima era de absoluta tranquilidade e gratidão.
Ali estava o atual presidente, Tabaré Vásques e sua pequena comitiva. Teve a elegância de não se demorar mais que uns vinte minutos. E não que isto representasse qualquer impedimento. Como eu disse, estávamos todos no mesmo plano, no mesmo salão, com o mesmo sentimento. A circulação era livre como Galeano nos encorajou a ser. Em verdade entendemos como necessário permitir ao Presidente uma breve conversa com a família, é claro. Trocadas as gentilezas, Tabaré se foi e restamos nós: familiares, amigos, leitores, admiradores... Os curiosos não encontrariam razão para ficar, pois tudo transcorria sem qualquer afetação, apesar do luxo do Palácio.

 
Velatório.

Muitas flores vindas de várias instituições, grupos e mesmo cidadãos comuns. Parei por acaso ao lado das que foram enviadas pelo Teatro del Galpón. Eros percebeu e brincou, dizendo que eu havia me colocado do lado certo.  Maribel se alegrou quando percebeu uma bandeira do México aos pés do caixão. Não leiam como uma desonra o fato de a bandeira estar no chão. Provavelmente algum mexicano agradecido a tinha posto e o protocolo, como já disse, não era uma obsessão. Pediu que Eros fotografasse a singela homenagem dos seus. Ele o fez e seguiu registrando outras delicadezas.  
Emoção quando Maribel me chamou a atenção para a presença da senadora Lucía Topolansky, esposa do ex-presidente Pepe Mujica, pela qual tenho imensa admiração. Estávamos, como disse, todos muito próximos, todos misturados. Eros, muito menos tímido que eu, aproveitou que Lucía lhe sorriu e foi conversar com ela. Eles dois com suas quatro mãos abraçadas. Ele lamentando a perda, ela celebrando o fato de que ele trabalhou até o último momento. Lembrou a Eros a importância de uma mediação recente que Galeano teria feito entre Brasil e Venezuela, para garantir a cordialidade entre os dois. E eu confesso que não estou inteirada do assunto. Mais tarde Eros a chamaria de terna guerrilheira. Eu achei bonito.

 
Lucía Topolansky (a segunda senhora sentada de cabelos e blusa também branca, com paletó azu).

Sim meu queridos, temos registros nossos do ataúde que guardava Galeano, mas não me sinto nem um pouco à vontade para postar. Partilho essas fotos mais discretas porque sei que muitos dos meus amigos gostariam de ter estado ali e prestado sua homenagem. Saibam que em todos os íntimos agradecimentos que fiz nessa despedida, pensei em vocês. Com amor e uma esperança que fraqueja, e muito, mas sempre se refaz.
Um abraço bom.
Ceronha



terça-feira, 12 de maio de 2015

Recado


Querido blog, me perdoe o abandono, mas é que eu saí por aí estudando. Fui bater em Montevideo perseguindo a Delmira Agustini, acredita? Pois nos aguarde. Olhe, tanta coisa se deu que não sei com quais palavras contá-las. Na vinda ainda passei por Belém do Pará, emprestando o "cavalo" à nossa Camille Claudel e foi bom à beça. Mas agora cheguei no nosso Recife e vim no "metrô da saudade", com meu coração Alceu. Passei pra te fazer um afago e te deixo com o meu queridíssimo Gonzaga Leal, trazendo este recado Valenciano, com um arranjo do Cláudio Moura e sua viola que me dói. Escuta aí.