sexta-feira, 25 de abril de 2014

Pezããããooo!!!!


Hómi, Seo Minino, que o Recife não se recupera tão cedo. A tristeza não podia ser pequena.
Vai em paz, querido de todos. E, como você mesmo gostava de se despedir nas mensagens: "Beijo, amor".

http://blogs.diariodepernambuco.com.br/play/2014/04/luto-morre-o-produtor-cultural-sergio-valenca-o-pezao/


domingo, 6 de abril de 2014

O sangue impuro



A conversa (sempre longa) de ontem foi com o Mario. Sobre ele próprio tenho razões para não falar muito, mas que ele me fez refletir sobre as nossas referências abandonadas, negadas. Aqui, mesmo as pessoas mais simples não esquecem que foram invadidas, escravizadas, roubadas. Que tiveram seus templos soterrados e, sobre eles, erguidos os templos do colonizador. Símbolo perverso da vitória, pisar e abafar a cultura dos "derrotados".
No Brasil não falamos muito sobre os indígenas. Não nos importamos de não falar guarani. Tanto mais respeitáveis quando aceitos pela parte banca da mistura. Ainda hoje lhes pedimos a bênção.
Mario imagina que nós brasileiros vencemos o racismo, pois esteve aí numa situação muito especial, onde foi muito bem tratado e respeitado. Ainda teremos tempo de lhe explicar que estamos longe disso. Que queimamos índios, que excluímos (quando não matamos) negros, que "frescamos" com a cara dos nordestinos, que matamos mulheres e homossexuais. Ontem era importante ouví-lo. Radical, o Mario, e é compreensível. Duro, dizia que o homem branco não é inteligente, por isso dedicou-se a invadir, destruir, saquear, tomar para si o que a outro e por direito pertencia. Não creio totalmente nisto, mas o contexto lhe justifica o rancor. Com ele concordo, e nem é difícil, que a História é mentirosa, pois manipulada. Por isso quero ouvir os "vencidos". Com este propósito e a ajuda da professora Paula, encontrei o Felipe Gauman Poma Ayala. Vivi 42 anos sem saber dele e de sua Nueva Crónica y Buen Gobierno. Tempo de repararação.

Me despeço para poder mergulhar em seus escritos e desenhos. Ele que viveu a época e sofreu na pele a ação do invasor. Besos cuzqueños.

Ceronha
Cuzco, Peru.
06/04/2014

LIBERDADE



Tal e qual em alguns recantos do nosso litoral nordestino, a Cuzco de vitrine, pra turista tonto ver, pertence ao Estrangeiro. Seus lindos restaurantes, hotéis, lojas: do Estrangeiro. Aqui o Estrangeiro compra uma montanha inteira para saquear seus recursos e então devolve aos nativos uma terra onde sequer uma batata crescerá. Dessas coisas é capaz o Capital Estrangeiro.
É EFRAIN, um hom
em simples, descendente dos Incas (seus pais nunca falaram espanhol, mas quechua, a língua Mãe), quem nos faz admitir que não avançamos do estado de Colônia. E é também Efrain quem nos dá outra lição de resistência e dignidade. Conta-nos a história de sua família "sin economia". Diz de sua hermanita levada por um médico e sua esposa, que juraram tratá-lá como filha, mas obviamente alimentaram uma indiazinha escrava do lar. Nos conta como cresceram os outros filhos em meio às platações de té. De como conseguiu estudar e ainda cursar um ano e meio de belas artes. Também não teve "economia" para concluir o curso, e etecéteras provocadores, além de comoventes. Alguns em quechua, a língua da qual muitos cuzqueños, ou antes peruanos, se envergonham, porque restou como língua de gente simples camponesa e só agora, tardiamente, adotada em algumas escolas. Foi uma longa conversa com este homem cuja autoestima não o faz duro, mas gentil, seguro, digno. Enfrain, em sua simplicidade, inteligência e doçura, é o tipo do homem com quem o colonizador não pode. Efrain é um homem que não se deixa seduzir pela cara plastificada do Estrangeiro e suas promessas. O coração e o sangue de Efrain não são corrompíveis. Efrain é um livre e resistente e muito honrado descendente do povo Inca. A Efrain não importa a riqueza conforme o conceito do Estrangeiro. A ele e aos seus, importa que Pachamama* seja respeitada e dela tenham o que lhes faça viver. Viver é muito. Viver com liberdade é muito mais.

Ceronha
Cuzco, Peru.
05/04/2014

* Pachamama é terra, em quechua.

O instrumento dos anjos.



Sabe quando o Outro te surpreende, encanta, impressiona e emociona, de modo que a ti não te resta senão enfrentar teu próprio abismo? Foi assim hoje conversando com o Mestre Sabino. Artesão cuzqueño, que confecciona instrumentos musicais. A cultura Inca por quem a carrega no sangue e na alma, por gerações e gerações. E ainda ouví-lo, e ao seu filho, tocar instrumento andino raríssimo, por pouco não extinto. Foi uma aula de resistência, carregada de ternura. Suas mãos de aparência rude, mas cuja delicadeza ensinando as minhas, tão inábeis, a lidar com as cordas, da ordem do inequecível. 


Um extra gracioso:

(Ele tocava.)
- Señor Sabino, que cosa tan bella! Cómo se llama este instrumento?
- Marimacho.
Es una palabra en quechua?
- No, no. Sabes que es lesbiana?
- Por supusesto que si!
- Entonces, Marimacho.
(Eu rio. Ele explica.)

- Este instrumento no tiene genero, por esto Mariamacho.
(Eros intervém.)
- Como los angeles, que no tienen sexo.
(Elegi então meu instrumento e o ganhei de presente. É de cordas, como um violão. Só que andino e raríssimo. E tem nome que contempla meninos, meninas, anjos e quem mais.)


Ceronha
Cuzco, Peru.
04/04/2014