domingo, 30 de dezembro de 2012

Tal como se escreve


Para Eros Oliveira

Vestida apenas com os óculos, as pernas misturadas com as dele, que, atento, lhe escuta a leitura de Clarice e Eduardo. 
Ao final das primeiras crônicas e contos, ela o procura por cima dos óculos, reafirmando a cumplicidade. 
Está claro que Eduardo os traduz melhor. Ela sabe, por exemplo, que ele vai gostar de O mundo e A pequena morte. Na mosca!
Depois de A noite/1 ele ri muito e confessa que a tem atravessada entre as pálpebras e na garganta, e ela é toda vaidade.
Seguem.
Celebração das contradições/1. Breve silêncio.
Na de número dois*, é quando ela fecha O livro dos abraços, e ele bate suavemente as mãos num respeitoso aplauso. Acreditam absolutamente no que está escrito.

Ceronha Pontes
30 de dezembro de 2012

*Desamarrar as vozes, dessonhar os sonhos: escrevo querendo revelar o real maravilhoso, e descubro o real maravilhoso no exato centro do real horroroso da América
Nas terras, a cabeça do Deus Elegguá leva a morte na nuca e a vida na cara. Cada promessa é uma ameaça; cada perda um encontro. Dos medos nascem as coragens; e das dúvidas, as certezas. Os sonhos anunciam outra realidade possível, e os delírios, outra razão.
Somos, enfim, o que fazemos para transformar o que somos. A identidade não é uma peça de museu, quietinha na vitrine, mas a sempre assombrosa síntese das contradições nossas de cada dia.
Nessa fé, fugitiva, eu creio. Para mim, é a única fé digna de confiança, porque é parecida com o bicho humano, fodido mas sagrado, e à louca aventura de viver no mundo.

(Celebração das contradições/2 - Eduardo Galeano)




sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Ariela


Eu nunca entendi que a juventude lhe tenha sempre causado estranheza. O frescor da própria carne lhe apavorava, me lembro. De cedo atraída por espíritos velhos. Inclusive os velhos que morriam moços. Fui apresentada a alguns e tenho apelado pra estes. É, porque se não fazemos alguma coisa, o mínimo que pode acontecer é ela ficar bem feia de rancor.
- Vem tomar um refresco, Ariela. 
Nem sinal. Insisto:  
- Olha, aquele magrelo que tu gostas tá querendo botar o bloco na rua, que tal?
Em vão.
- Ele tá dizendo que não adianta, você ouviu?
Nada.
- Tome aqui, Seu Menino. É Sérgio, né? Uma cervejinha e o violão. Convide o Senhor mesmo. Só não vá lhe dizer que está chumbada, arreada, aquelas coisas. Faça-lhe uma graça. Quem sabe?



Ceronha Pontes
21 de dezembro de 2012




Leite derramado



Sempre atrasada no choro, a Dorinha. Fica juntando soluço até explodir. Que susto! Tanto tempo faz.
Era menino ou menina? 

Ceronha Pontes
21 de dezembro de 2012

Enviesada



No dia em que o mundo não acabou, amanheci "A palo seco, o coração ainda "Noturno" e "Meu corpo, minha embalagem, todo gasto na viagem".
Que cante o meu querido Rodger Franco de Rogério, me rasgando em tiras o coração.



Bisonha,
21 de dezembro de 2012

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Meu caminho



Sou de guardar pra sempre quem me ensina. 


Esses dias, em cartaz no Rio de Janeiro, me alegrei como
há muito não acontecia. Há doze anos não abraçava o inesquecível Professor Clovis Levi, que estava morando em Portugal. Uma felicidade ele ali, na plateia daquele Glauce Rocha muito conhecido seu, com a sua Pamela. 


Aproveito pra postar outro momento precioso que acabo de revisitar nos meus arquivos. Cozinhando com meu mestre Celso Nunes, no seu antigo ap., em Floripa. 
Como não fariam de mim uma criatura melhor, tais valores e afetos?

Ceronha Pontes
19 de dezembro de 2012




terça-feira, 18 de dezembro de 2012

"Morna e ingênua"



"A poesia não é de quem escreve, mas de quem precisa dela", disse o carteiro ao Neruda naquele filme antigo e desde então me sinto mais livre por entre os versos que falam de mim, mesmo que por outros escritos. 
Hoje a Vovó, que nos deixou 

em maio passado, faria 95 anos. Lúcida, inteligente, bem humorada. No comando até o fim. Quando se chega a "gente grande", se entende que nunca mais se é feliz nem triste assim, um de cada vez. Vive-se o tempo todo alegre e triste ao mesmo tempo agora. Triste por isto, alegre por aquilo outro.
Triste porque sem ela e sem o Papai minha família diminuiu drasticamente. Quem me amou mais do que eles? E justamente por isto FELIZ. Este amor que é minha fortuna e meu Norte.
Então o Cazuza, meu ídolo exagerado, escreveu este POEMA pra sua própria Avó. Ou seria pro Avô? Não lembro direito, nem faz diferença. "Caju" não teve tempo de cantar o que o Frejat musicou, o Ney cantou e eu tomo pra mim e ofereço à minha Vó Totonha. Com "todo amor que houver nessa vida".





Ceronha Pontes (Cecé)

18 de dezembro de 2012

P.S.: E ontem fez 18 anos longe do Papai.


domingo, 2 de dezembro de 2012

BONECAS (continuação)



- DESESPERADAZINHA, a boneca que já vem com cartelinha de Rivotril, dizendo qualquer coisa:

Não é o tamanho da fonte que determina que uma letra seja maiúscula ou minúscula. Por exemplo, podemos escrever "desistir" com um d minúsculo bem grandão. E "NADA A VER" todo em maiúsculas de tamanho pequeno. Sentido faz a coisa no seu devido lugar.


Achincalhada, VINGATIVAZINHA, a boneca que já vem com "o Cão no couro", decidiu abandonar o fogão. Seu projeto agora é "costurar pra fora". Especialidade: BABADO. E eu soube de fonte segura que ela não dá ponto sem nó.

- Enredada no entretenimento e no consumo, desperta ULTRAPASSADAZINHA, a boneca que já vem com radiola e disquinhos de vinil, assombrada por um desejo datado: "Ideologia, eu quero uma pra viver".


Ceronha Bisonha

Recife-Pe, 02 de dezembro de 2012.

http://www.youtube.com/watch?v=AuZ6ubVXOoo&feature=share&list=PL063A5C416C3D6370